Afinal, existe uma época de ouro do rádio?
2007
Luiz Artur Ferraretto
A pergunta vai e volta. Aparece com frequência em aulas e
palestras, até em bate-papos daqueles bem informais. Basta apenas estar
presente alguém que goste mesmo de ouvir rádio. Tem variantes, das que denotam
pura curiosidade – “A época de ouro do rádio foram mesmo os anos 1950?” ou
“Qual é a época de ouro do rádio?” – às mais saudosistas, pendendo para o
afirmativo – “Que decadência o rádio de hoje, hein?”. De fato, a resposta passa
mesmo pela saudade, tanta a dos fatos vividos quanto a daqueles construídos no
imaginário, do tipo dos que, nascidos depois, adorariam ter entrado em um
auditório, sentado em meio ao público e assistido a uma sequência de números
musicais, esquetes humorísticos e o escambau.
A minha resposta é sempre a mesma. Cada um tem a sua própria
época de ouro. É algo associado a um bom momento e arrisco afirmar um bom
momento associado ao rádio, talvez a descoberta do veículo como tal,
companheiro, elo com iguais, por gosto ou comportamento. Funciona mais ou menos
assim.
Quem cresceu na Porto Alegre dos anos 1930, na faixa da
sabedoria das oito décadas de vida, vai lembrar com carinho dos programas de
Erico Verissimo, o Amigo Velho, a contar estorinhas infantis na Farroupilha.
Guerra na Europa, na África, no Oriente... se aproximando de todos na voz do Repórter Esso. Locutor de voz
corretamente impostada anunciando:
– Senhoras e senhoritas, a Rádio Nacional, do Rio de Janeiro,
apresenta Em Busca da Felicidade,
emocionante novela de Leandro Blanco.
E o novelão cubano, logo, logo, graças a gravações em discos
de acetato, também irradiado pela Farroupilha. Viriam outros até chegar à
várias vezes repetida, remontada, reapresentada, a mais famosa novela de todas:
– Senhoras e senhoritas, o famoso creme dental Colgate,
criador dos mais belos sorrisos, e Palmolive, o sabonete embelezador da mais
alta qualidade que existe, apresentam...
– Radioteatro Colgate
Palmolive, com mais um capítulo da emocionante novela de Félix Caignet,
tradução de Eurico Silva, O Direito de
Nascer...
Um gol narrado na voz de Cândido Norberto, de Guilherme
Sibemberg ou de Antônio Carlos Rezende. O comentário de Enio Melo. A Copa de
1958, com Mendes Ribeiro, gritando vitória a vitória do selecionado brasileiro
na primeira grande transmissão da Guaíba, audácia de Flávio Alcaraz Gomes fazer
uma rádio deste cantinho de mundo atravessar o planeta até a Suécia e trazer de
lá o som de uma conquista. Nos auditórios, reinam Ary Rêgo e o seu Clube do Guri – aquele da Elis Regina,
lembra? –; Maurício Sobrinho, ainda sem o Sirotsky no nome; e o animador-galã
Salimen Júnior, no seu Vesperal
Farroupilha. Risos e mais risos de Pinguinho e Walter Broda, dos
personagens de Carlos Nobre. Ah, anos 1950!!!
Vem a era dos comunicadores. Os homens que começam a ginetear
discos: Glênio Reis, o primeiro de todos no Rio Grande do Sul; Paulo Denis, de
voz imperturbável; e Osmar Meletti, o do Discorama,
programa musical de tanta qualidade que até prêmio de jornalismo ganhou, o da
Associação Rio-grandense de Imprensa, com um especial sobre Erico Verissimo,
olha aí ele de novo.
Carrossel de vozes e sensações. Flávio Alcaraz Gomes numa
guerra acolá. Pedro Carneiro Pereira num jogo aqui e ali. E Antônio Augusto
afirmando:
– Tem gol, Ranzolin...
– Aonde, Antônio Augusto?
Reportagens de Lasier e Lupi Martins. João Carlos Belmonte
anunciando:
– Aííí veeeeem o Grêmio!!!
Comentários de Ruy Carlos Ostermann e Lauro Quadros. Já
estamos nos anos 1970 e a maior equipe de esportes do Sul do país é a da
Guaíba. Mas há o outro lado. E vão aparecendo, na Gaúcha, as jornadas
esportivas de Haroldo de Souza, Roberto Brauner, João Garcia, Pedro Ernesto,
Wianey Carlet... e o Sala de Redação,
de Cândido Norberto, Paulo Sant’Ana, Cid Pinheiro Cabral, Oswaldo Rolla... De
manhã, Atualidade, com Mendes Ribeiro, na Gaúcha, ou Agora, com Flávio Alcaraz
Gomes e Adroaldo Streck, depois Amir Domingues, na Guaíba. Noticiários e
reportagens. A voz de Milton Jung ou a de José Aldair.
Rádio jovem com os rebeldes da Continental, seus disc-jóqueis
– ninguém dizia dee-jay – Cascalho e
Mister Lee, seus concorrentes, o Gordo Esbrólio, da Pampa, e o Pedrinho, aquele
do Transasom, da Gaúcha, da Porto
Alegre e do canal 12. Rádio jovem em amplitude modulada!!!
E o pessoal do povão? Sayão Lobato e o seu Não Diga Não. Um monte de gente. De
comunicadores como Cicero Augusto, Luiz Braz e Marne Barcelos a programas
policiais como o Aconteceu. Uma nova
geração no rádio povão com Paulo Josué, Sérgio Zambiasi e Gugu Streit.
Anos 1980 e a explosão da frequência modulada. Quem foi jovem
na época sabe do que estou falando. Atlântida, Cidade e Universal pelo lado
mais sucesso do momento. Ipanema, mudando a cara da música e do rádio, lançando
e sustentando o melhor do rock desde então: Nilton Fernando, Mauro Borba, Kátia
Suman, Mary Mezzari, Jimi Joe, Alemão Vitor Hugo...
Fim de século, recordando o Programa X, com humor da Atlântida, e os bate-papos do Cafezinho, da Pop Rock. Mister Pi
definindo e redefinindo o DJ.
Alexandre Fetter na Atlântida. Alexandre Fetter na Pop Rock.
Alexandre Fetter na Atlântida de novo. Mauri Grando na Universal. Mauri Grando
na Cidade. Mauri Grando onde for necessário focar uma programação jovem ou
popular nas estações da RBS. Troca-troca de comunicadores e de programas.
Novos profissionais para fazer hoje a lembrança do futuro,
novas eras de ouro, com eles ou com os que eu esqueci. Lacunas de um texto a
serem preenchidas por você que o lê. E falar sempre de uma época muito
particular, de uma época da lembrança, enfim, de um tempo que está ali, no
limite da saudade, que não é só rádio, mas, indo além, compõe uma parte
especial da vida da gente. É, em resumo, lembrar um pouco de quase tudo da
história do rádio. Afinal, alguém já disse que uma pessoa só morre quando é
esquecida. Assim também é com o rádio. Lembrança fugidia que dá lugar à
próxima, mas que, de vez em quando, volta na memória de um ou de outro ouvinte
a refazer os seus tempos de ouro.
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