A Rádio Gaúcha e a Revolução de 1930
2013
Luiz Artur Ferraretto

Intelectuais, integrantes da burguesia ascendente ou burocratas com fortes laços com o poder, os associados da Rádio Sociedade Gaúcha acompanharam com vivo interesse a derrota de Getúlio Vargas nas eleições de 1930 e a rebelião que, meses depois, vai levá-lo ao poder. Embora de resultado notoriamente fraudulento – 298.627 votos contra apenas 982 –, a maioria no pleito obtida por Vargas no Rio Grande do Sul atesta este apoio dos antigos chimangos e maragatos. Dois anos depois, a situação, contudo, é diferente, como observa Sandra Pesavento na sua História do Rio Grande do Sul:
Desde o ponto de vista da oligarquia gaúcha [...] a sua participação na Revolução de 1930 e a ascensão de um gaúcho ao posto mais alto do país deveria, forçosamente, implicar a orientação da política nacional em favor do Rio Grande do Sul. Em suma, para setores da classe dominante regional, os gaúchos deveriam alçar-se na posição outrora ocupada pelos paulistas. Inconformados com a não realização de suas pretensões, parte dos pecuaristas gaúchos iria se voltar contra o poder central, unindo-se aos paulistas num movimento contrarrevolucionário em 1932.
No caso da Rádio Sociedade Gaúcha, a afinidade com o Partido Republicano Rio-grandense era garantida pela presença, na presidência, da entidade-emissora de Fernando Martins de Souza, chefe do Departamento de Obras Novas da Intendência Municipal, ocupada por Octavio Rocha. Indícios desta proximidade aparecem nos jornais de Porto Alegre, quando o intendente morre, em 27 de fevereiro de 1928. Em nota à imprensa, a diretoria da sociedade manifesta-se a respeito, conforme publica o jornal A Federação no dia seguinte:
A Rádio Sociedade Gaúcha deve inestimáveis serviços ao seu distinto sócio e, por isso, resolveu a sua diretoria, em sessão extraordinária hoje realizada, [...] não irradiar à noite o programa de música de costume. Apenas será feita a transmissão do seu necrológio pelo diretor senhor Alberto de Souza Gomes. 
A Rádio Sociedade Gaúcha perde, com a morte de seu prestimoso sócio doutor Octavio Rocha, um de seus mais fortes esteios.
Em 29 de fevereiro, é a vez do redator da seção Radiotelefonia, no Diário de Notícias, definir o papel de Octavio Rocha para a emissora:
Foi sem dúvida um dos mais ardorosos radioamadores que teve a Rádio Sociedade Gaúcha no seu quadro social e foi sem dúvida também o seu melhor auxiliar na vida econômica da sociedade. 
Pode-se afirmar, sem receio, que, sem ele, a RSG não teria logrado o seu objetivo, não lhe teria sido possível conseguir os elementos do seu estúdio e de seu transmissor. 
Por isso, muito justas foram as homenagens prestadas pela diretoria da Rádio Sociedade Gaúcha ao seu ilustre benfeitor na ocasião da sua morte e dos seus funerais. 
Entre os inúmeros serviços prestados à coletividade, lá está a alterosa antena da RSG, por cima do edifício do Grande Hotel, como a lembrar para sempre à população de Porto Alegre e aos forasteiros o nome do inesquecível remodelador da nossa capital.
De fato, a Rádio Sociedade Gaúcha fazia, por si própria, parte deste imaginário de modernização em voga durante a administração de Octavio Rocha, chamado de “o remodelador da capital”, de modo significativamente ufanista pelos jornalistas de então. Não é de se estranhar, portanto, que, ao iniciar a campanha da Aliança Liberal, a Gaúcha tenha servido de instrumento de divulgação política desta parcela da oligarquia brasileira. Inseria-se, assim, no contexto político e social de sua época, uma vez que mesmo o principal jornal do estado, o Correio do Povo – diário surgido em 1895 com a pretensão de não ser ligado à nenhuma facção partidária –, assumia entusiasticamente o apoio à candidatura oposicionista. O jornal da família Caldas começa a incluir, no alto da primeira e da última página, acima dos títulos e manchetes, a frase: “Para os supremos postos da magistratura brasileira no próximo quadriênio: Getúlio Vargas e João Pessoa”.

Imprensa atesta importância da Gaúcha no processo revolucionário de 1930
Fonte: Correio do Povo, Porto Alegre, 26 out. 1930. p. 3.

Ao longo da campanha, há registros de transmissões da Gaúcha defendendo a Aliança Liberal e colocando um contraponto às irradiações da Rádio Educadora Paulista, que, por sua vez, faz a apologia do candidato do seu estado, Júlio Prestes, apoiado pelo presidente Washington Luiz Pereira de Sousa. O efeito das mensagens difundidas pela Gaúcha incomoda as lideranças do governo federal, como o Correio do Povo registra em sua edição do dia 26 de outubro de 1930:
Já na fase eleitoral da luta, prestou a nossa estação difusora do rádio serviços relevantes à causa nacional, levando a palavra do Rio Grande até as mais longínquas povoações, incutindo nos nossos patrícios a fé inabalável de que estavam animados os orientadores da opinião. 
Por tal forma se portou a Gaúcha que o governo federal tentou, na sua obra de compressão, emudecê-la, ordenando o seu fechamento. Essa providência só não foi efetivada graças à ação enérgica da sua diretoria, que fez compreender às autoridades federais a violência da medida, quando a Rádio Educadora Paulista fazia, com a maior liberdade, a propaganda do Catete.
Não foi esta a única reação do governo de Washington Luiz à campanha radiofônica da Gaúcha. Também um transmissor comprado à Telefunken alemã é retido no porto do Rio de Janeiro ao chegar da Europa. A Rádio Sociedade Gaúcha monta, então, com recursos próprios, uma estação de ondas curtas para garantir o alcance nas suas emissões. Quando a revolução inicia, em 3 de outubro, as proclamações dos rebelados usam as ondas hertzianas da Rádio Sociedade Gaúcha, seguindo-se um embate propagandístico pelo éter que acompanha as pelejas do campo de batalha. Na radiodifusão, o principal alvo rebelde é a Educadora Paulista. A respeito, o Correio do Povo critica, em 10 de outubro, à emissora:
Sociedade que deveria ser um modelo de civismo, levando a todos os recantos do território nacional, no desempenho de sua elevada missão, palavras de conforto e de confiança na vitória da causa nacional, acha-se, mercê da subvenção que lhe dá o governo paulista, transformada em arma de guerra manejada criminosamente pelos agonizantes dominadores do dia.
Dias depois, o governo federal manda apreender todos os aparelhos receptores de radiotelegrafia e radiotelefonia. Os amadores estavam colaborando com as tropas rebeldes, captando transmissões militares e dos clubes e sociedades de radiodifusão. A preocupação básica era evitar, principalmente, a troca de informações estratégicas e, em segundo lugar, a propaganda dos rebeldes.

Um exemplo deste uso propagandístico, utilizando o precário transmissor de ondas curtas montado às pressas, é a irradiação do discurso em francês do professor Julio Lebrun, no dia 20 de outubro. Nela, de acordo com o relato também do Correio, em 21 de outubro, há a nítida intenção de informar ao exterior o que ocorre no país, registrando a vitória da revolução em 15 estados. Lebrun preocupa-se também em desmentir a versão difundida pelo Palácio do Catete de que o movimento possuía caráter comunista. O próprio Oswaldo Aranha, um dos líderes da sublevação armada, usa o microfone da Gaúcha para instigar a população à revolta, fato, mais tarde, registrado em uma placa de bronze colocada no estúdio da praça José Montaury, no Moinhos de Vento.

Fora estes acontecimentos isolados, existem registros de que a Rádio Sociedade Gaúcha, durante a campanha da Aliança Liberal, transmite informes e proclamações antigovernistas cinco vezes ao dia, procurando explorar as possibilidades, em especial, das ondas curtas. Estas irradiações tornam-se mais frequentes após a divulgação dos resultados do pleito de 1º de março de 1930, indicando a vitória do presidente de São Paulo, Júlio Prestes de Albuquerque. Os sócios da Gaúcha continuariam em clima de radicalização crescente até a derrubada de Washington Luiz, em 24 de outubro, e a posse de Getúlio Vargas, em 3 de novembro desse mesmo ano.

No Rio Grande do Sul e no Brasil, rádio e política começavam uma relação nem sempre ética, nem sempre informativa, mas, com certeza, duradoura e de forte influência na sociedade.

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