A consolidação da TV e o fim do rádio espetáculo
2013
Luiz Artur Ferraretto

“A televisão matará o rádio?”. É esta o questão proposta na edição de 31 de janeiro de 1959 pela Revista do Rádio, do Rio de Janeiro, na seção A pergunta que todos fazem. Apesar de alguns “nunca”, “jamais” ou “em parte”, a opinião dos “artistas e observadores” demonstra que o novo meio está mesmo alterando a realidade da radiodifusão brasileira. Há também a constatação de que o alto custo dos aparelhos e a demora do veículo em atingir o interior afastam, ainda, da TV o grande público, garantindo uma sobrevida para o espetáculo radiofônico das novelas, humorísticos e programas de auditório. Também no Rio Grande do Sul, crescem as dúvidas sobre o futuro do mercado de radiodifusão sonora, como demonstra um editorial da Revista TV, em dezembro de 1959, quando a Piratini, primeira emissora de televisão do estado, já opera em caráter experimental, questiona se a televisão vai abalar “o prestígio até aqui mantido pelo rádio”.

Em novembro de 1974, 15 anos depois, durante o 4° Curso de Alto Nível para Jornalistas, promovido pela Associação Rio-grandense de Imprensa, Maurício Sirotsky Sobrinho, já então diretor-presidente da Rede Brasil Sul, avaliaria que os administradores das emissoras, vivendo, no final da década de 1950, o auge do espetáculo radiofônico, não souberam compreender bem o que estava ocorrendo a partir do surgimento da televisão:

[...] esta situação fantástica, sensacional do rádio, parece que colocou uma venda nos olhos dos homens que dirigiam as estações de rádio, transformando-os em homens autossuficientes, e que subestimavam totalmente o surgimento da televisão. “É... televisão é um negócio que ainda vai demorar muito, porque um aparelho de televisão custa mais caro e não existem empresários no Brasil capazes de fazer os investimentos que são exigidos para se implantar várias estações de televisão...”E na realidade falava-se muito pouco em televisão; não se falava em televisão fora do eixo Rio/São Paulo. 
Nessa exagerada confiança, o rádio cometeu os seus grandes pecados porque, ao invés de reconhecer na televisão um competidor dos mais fortes e buscar novos rumos, novas adaptações, procurou desconhecê-la. O rádio insistiu com o seu horário nobre, no horário noturno; permaneceu fazendo exatamente aquilo que fazia quando ainda não havia televisão. E, de repente, chegado o ano de 1960, as estações de rádio pagaram o preço de sua indiferença.

A constatação de Sirotsky soa plausível ao se analisar os fatos que se desencadeiam a partir da inauguração da TV Piratini, em 20 de dezembro de 1959. Na época, o veículo havia completado pouco mais de nove anos de atividade no país, período iniciado em 18 de setembro de 1950 com a abertura das transmissões da Tupi-Difusora, em São Paulo. Nas duas décadas que se seguem às primeiras transmissões de TV, o novo desbanca o rádio, inclusive, em termos de verbas publicitárias.

Distribuição das verbas publicitárias (1950-1969)
Fonte: J. Walter Thompson.

No Rio Grande do Sul, em meados da década de 50, já se fala na instalação de uma emissora de TV na capital gaúcha. Em 1955, Assis Chateaubriand manda colocar 50 aparelhos receptores na praça da Alfândega, montando um circuito fechado em frente ao prédio do Clube do Comércio, na rua dos Andradas, onde, em um de seus salões, ocorre a primeira demonstração pública de televisão em Porto Alegre. Nos monitores, telespectadores neófitos puderam assistir ao regionalismo dos Tropeiros da Tradição, de Paixão Côrtes; “os dois maiores cômicos sulinos”, Pinguinho e Walter Broda; e a música do Conjunto Vocal Farroupilha e da Grande Orquestra da PRH-2, conduzida pelo maestro Salvador Campanella; além de artistas do elenco da TV Tupi, de São Paulo. No final do ano, Assis Chateaubriand acerta, na Europa, a compra dos equipamentos da TV Farroupilha e, no dia 22 de dezembro, durante visita à capital gaúcha, anuncia a instalação da emissora para um prazo de, no máximo, cinco anos.

Flâmula alusiva à primeira demonstração pública de televisão no Rio Grande do Sul
Fonte: Acervo particular.

Uma dificuldade, no entanto, vai se colocar no caminho dos Diários e Emissoras Associados: empresários locais haviam criado a Rádio e TV Piratini S.A. A natureza aberta do capital do novo empreendimento será fatal para a consecução dos objetivos algo idealistas deste grupo. Disposto a não ter concorrentes, Chateaubriand envia a Porto Alegre João Calmon, que articula a compra dissimulada das ações da Piratini. Já com o negócio sob seu controle, os Associados acabam mantendo a denominação proposta, inicialmente, pelos empreendedores gaúchos.

Em setembro de 1959, um grupo de 16 radialistas do Rio Grande do Sul inicia no Rio de Janeiro um curso de televisão, idealizado pelo superintendente da TV Tupi, José de Almeida Castro. É com ele que os futuros funcionários da Piratini, junto com outros em situação idêntica da TV Itapoan, de Salvador, e mais algumas pessoas, têm a primeira parte do treinamento nas aulas de Introdução à Televisão. Na seqüência, durante três meses, ocorrem as de Estética da Televisão, com Péricles Leal; Seleção de Imagem, com Alcino Diniz; e Técnica de Televisão, com Herberto Gusman. Os principais integrantes do comando da Tupi repassam os conteúdos teóricos e práticos para as funções de chefe de programação, realizador, suíte, operador de câmera, operador de projetor e iluminador. No final de novembro, aprovados e com contratos assinados para três anos de trabalho, os integrantes da equipe da Piratini retornam a Porto Alegre e colocam a emissora experimentalmente no ar. O Diário de Notícias e a Farroupilha divulgam cada atividade do novo veículo dos Associados. A rádio chega a estipular um prêmio para quem acertar a data da inauguração, enfim decidida para o dia 20 de dezembro de 1959.

Assis Chateaubriand discursa na inauguração da TV Piratini (20 de dezembro de 1959)
Fonte: A Hora, Porto Alegre, 21 dez. 1959. Recorte sem identificação.

TV Piratini (anos 1960)
Fonte: TV PIRATINI  OS ANOS HEROICOS. Porto Alegre: Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação Social/ Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1996. CD-ROM.

O rádio não chega a sentir, em um primeiro momento, o impacto do novo veículo. As emissoras falam, ainda, para a totalidade do público, mas as condições financeiras e técnicas de cada uma impõem limites em um mercado de reduzidas proporções. O esgotamento do modelo de programação dominante começa, então, a se intensificar. Com a Piratini, já há uma transferência de atrações do rádio para a TV. Por exemplo, em setembro de 1960, menos de um ano após a inauguração do canal 5, o disc-jóquei Glênio Reis comenta lançamentos musicais no Enquanto Roda o Disco; o animador Salimen Júnior oferece “prêmios milionários” no Sim ou Não, nas segundas-feiras, às 20h40; e Ary Rêgo apresenta os destaques do radiofônico Clube do Guri em Revelações Infantis, nas terças-feiras, às 19h40.

João Goulart inaugura a TV Gaúcha (29 de dezembro de 1962)
Fonte: Zero Hora, Porto Alegre, 29 dez. 2002. TV+Show, p. 4.

Inauguração da TV Gaúcha (29 de dezembro de 1962)
Fonte: LEOPOLDISOM. Atualidades Gaúchas. Porto Alegre, 1963. Filme.

O problema acirra-se com a chegada da segunda emissora de TV do estado. Já em 1951, graças às suas relações com o Partido Trabalhista Brasileiro, os então diretores da Rádio Gaúcha tinham gestionado junto ao governo Vargas para que fosse concedida à empresa uma emissora de televisão. Após a compra da PRC-2 em meados de 1957, Frederico Arnaldo Ballvé retoma os contatos neste sentido, conseguindo, em uma reunião com o presidente Juscelino Kubistchek no Palácio da Guanabara, no Rio de Janeiro, a concessão para o canal 12, de Porto Alegre. Deste modo, no dia 4 de dezembro de 1962, a TV Gaúcha já transmite em caráter experimental, comemorando o Dia Pan-americano da Propaganda. Algumas semanas depois, no sábado, dia 29, com a presença do governador Leonel Brizola, o presidente da República, João Goulart, inaugura a nova estação sob o olhar atento de Maurício Sobrinho, agora convertido também em diretor do canal 12. Com equipamentos adquiridos por Ballvé na Grã-Bretanha – incluindo, como grande novidade, aparelhos de videoteipe –, a Gaúcha anuncia-se, registra a Revista do Globo, como “a tecnicamente mais perfeita do continente sul-americano”. Aproveitando os valores locais, adota o slogan “A imagem viva do Rio Grande”.

A televisão, no entanto, exige uma quantidade de capital não disponível, na época, entre o empresariado do Rio Grande do Sul, o que leva, já em 1963, à transferência da Rádio e TV Gaúcha para o grupo da Rede Excelsior, de São Paulo, controlado por Mário Wallace Simonsen. Em paralelo, a chegada do videoteipe reduz os espaços da produção local também na Piratini, que demite o seu elenco de teleteatro e os músicos da Grande Orquestra Farroupilha e do Conjunto Vocal Farroupilha.

Por esta época, o espetáculo em sua versão radiofônica agoniza. Em 1964, ainda persistem algumas atrações de auditório, como é o caso do Programa MS, nas manhãs de domingo, que reúne Maurício Sobrinho, o M, e Salimen Júnior, o S, pela TV e pela Rádio Gaúcha, estratégia idêntica à adotada, alguns anos antes, pelos Associados, transmitindo o Vesperal Farroupilha pela PRH-2 e pela Piratini. Em 1966, o gênero perde talvez a sua última grande atração: sai do ar o Clube do Guri, de Ary Rêgo, que desde 1950 ocupava a programação matutina aos domingos na Farroupilha. O ano de 1966 marca, ainda, o fim do Departamento de Radioteatro da Gaúcha.

Para diminuir os custos, a Gaúcha e a Farroupilha já vinham transmitindo produções gravadas no Rio de Janeiro e em São Paulo de autores como Amaral Gurgel, Raymundo Lopes, Mário Lago ou Oduvaldo Viana. Mas de nada adianta. À medida que cresce o número de receptores de TV, o espetáculo radiofônico desaparece para dar lugar a um novo modelo de programação.

Um pouco antes, no segundo semestre de 1965, as instalações das duas estações são transferidas para o morro Santa Teresa, junto, respectivamente, dos canais 5 e 12. Embora ainda liderem o mercado, conforme as pesquisas do Ibope, Gaúcha e Farroupilha não têm mais a mesma importância do início da década. Em termos de espetáculo, a TV, já sob predomínio dos enlatados, supera o rádio com impacto no próprio ambiente cultural de Porto Alegre, como lembraria, em seu livro Ofício de Viver, o jornalista Demosthenes Gonzalez:

Quando as emissoras de rádio e televisão suprimiram as apresentações ao vivo de suas programações, foi uma calamidade. Músicos e cantores ficaram desempregados; compositores ficaram sem uma vitrine para mostrar as suas composições. Artistas de fora não vinham mais. Era o império dos enlatados.
Os artistas ainda teriam como escapatória, até o predomínio da música gravada, as boates da capital. Produzidas no centro do país, as radionovelas, por sua vez, vão se manter, por mais algum tempo, na programação das emissoras. Dá-se, então, o esvaziamento do espetáculo e, por necessidade imperiosa, o aproveitamento, ao máximo, da rapidez na transmissão, da agilidade oferecida pelo rádio. Agilidade, acrescente-se, possibilitada por um componente tecnológico extremamente importante, o transistor, substituto das válvulas e responsável pela miniaturização dos receptores que se tornam, cada vez mais, portáteis. Transmutado em radinho de pilha, o aparelho de rádio vai começar a migrar, deste modo, de um local de destaque na sala de estar, logo ocupado pelo televisor, para qualquer ponto em que o ouvinte esteja.

5 comentários:

  1. A GAÚCHA CHEGOU TRAZENDO AOS GAÚCHOS O FRESCOR DA EXCELSIOR, TRAZENDO UMA PROGRAMAÇÃO + DESENHADA EM FORMATO DE GRADE. COM ESSA CHEGADA DE UMA FORTE CONCORRENTE, A PIRATINI PASSOU A SAIR DE SEU MODELO IMPROVISADO PARA UMA ESTÉTICA MODERNA.

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  2. Muito bem colocado, Felipe Kuhn Leão.

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  3. O modelo improvisado da Tv Piratini mostrou a possibilidade de termos um estilo, ao contrário da Gaucha, a qual trouxe o modelo americano de enlatados e rapidez de sincronização do movimento. Na Piratini tínhamos teatro ao vivo, atrações musicais locais e externas também ao vivo e programas ao vivo como Sim ou não, bem como tr

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    1. Será que era estilo ou a simples consequência da desorganização dos Associados, donos da Piratini?

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  4. Bem como transmissões históricas esportivas, como grêmio X cruzeiro em 1959, noturno e grenal nos eucaliptos em 1960, 5x1 Grêmio. Programa de glenio Reis a tarde com jazz atual tornavam nobre está programação. Pena a velha adoção da cópia pura e simples da cultura norte american.

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