O Celso e o trabalho em equipe
2013
Luiz Artur Ferraretto
Vez por outra, algum aluno me pergunta o que é necessário
para ser um bom profissional. Respondo que, em qualquer área, o mais importante
é ter humildade, ser dedicado e acrescentar uma dose de perfeccionismo ao dia a
dia. Estes três fatores estão intimamente relacionados com a capacidade de
trabalhar em equipe. Não se trata desta coisa meio neoliberal, meio trouxa, de
saber se relacionar, criando intricadas redes de favores e de favorecimentos ou
mesmo de parecer simpático ou popular como personagens estereotipados de
seriados teenagers vindos dos Estados Unidos, atitudes
comuns em tempos de Facebooks, Twitters, LinkedIns etc.
Meu amigo Celso Irion Ribeiro não tinha tempo sequer para
ter perfil em redes sociais. Quem trabalha e tem de sustentar a família
normalmente está ocupado em demasia. Não há espaço para futilidades. Ainda mais
ele, que iniciava bem cedo a manhã no SBT, o canal 5 de Porto Alegre, e
terminava a noite na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), em Canoas. Não
raro, fazia um bico em alguma emissora de rádio ou de televisão, instalando
equipamentos, consertando aparelhos, puxando fios, subindo em torres... Em
torno de si, agregava pessoas como ele, humildes, dedicadas, perfeccionistas...
Nunca o vi se considerar, a não ser em tom de brincadeira, “fodão” ou o
“bam-bam-bam” disto ou daquilo.
Muitos o achavam meio fechado, meio sargentão. Tá certo. O Celso
tinha aquele jeitão dele, dos tempos do quartel. As pessoas não entendiam ser
isto a força da sua responsabilidade. E que responsabilidade! Esta ia bem além
das suas tarefas. Duas por três, entrava na minha sala, dizendo: “Bah, chefe,
fala com fulano que ele tá se sentindo desvalorizado”. Era o alerta de que eu
pisara na bola com alguém. Outra vez, eu o chamava: “Bah, Celso, dá um toque
pra sicrano, que se eu for falar com ele, ele vai achar que eu sou chefe e
tal...”. Um tempinho depois, o Celso passava na porta da minha sala e fazia um
sinal de positivo com o dedo, indicando que estava tudo resolvido.
Junto com ele, trabalhei com uns caras maravilhosos em meus
tempos de Ulbra. Era, de verdade, uma equipe. Ao citá-los, vou, com certeza,
esquecer alguém. E me concentro nos tempos em que trabalhamos junto com o
Celso. Afinal, este texto é mesmo para homenageá-lo. No áudio, tinha o
Joãozinho, das músicas, e o Otto, das rádios. Que dupla à disposição dos
alunos! Na edição, gente como o Dani, o João Sauer e o Borjão, editando as
imagens – excelentes – feitas pelo Adelmo e pelo Cabral. A elas, acrescentem-se
o material do pessoal da computação gráfica: Fabián, Henrique e Riffel. Na
fotografia, atendendo os alunos e professores, mas também fazendo a iluminação,
gente como o Aldrin, o Airton e o Leonardo. Para segurar as pontas da chefia, a
Cris, quebrando todos os galhos na secretaria. Na recepção, a Eliane e a
Cinara. Lá, na outra sala, a da produção de dezenas de vídeos – e põe dezenas
nisto –, a Vera, coordenando, o Vinicius, auxiliando... Todo mundo dava
palpite, criava.
Um dia, em uma reunião sobre não sei o que, decidimos tudo.
No finzinho, o pessoal já saindo da sala, o Cabral chega pra mim e pondera:
“Não sei, Ferraretto, tu não achas que...”. Recomeçamos a reunião e,
rapidamente, mudamos tudo que havia sido decidido. Rapidamente, porque quem
trabalha como a gente trabalhava não tem tempo pra muito papo. Outro dia,
discutíamos a web rádio da universidade. O Celso, que alguns achavam ser só de
TV, diz, como quem não quer nada: “Sabe o que eu não gosto em rádio? É que
ninguém explica as músicas”. Um deu um palpite, outro deu outro. Fizemos uma
programação com blocos de três músicas relacionadas entre si e precedidas de um
texto explicativo. Que textos aqueles da Amanda Montagna e do Roger Bell, os
estagiários naquele momento! E sem preconceitos. De blocos relacionando Raul
Seixas com o argentino Tanguito e o uruguaio Eduardo Mateo a outros fazendo
mesmo com Carlos Gardel e Carmen Miranda, sem esquecer dos de música brega a
ensinar quem era Waldick Soriano...
Sobre rádio, para não sair do foco, uma tarde comentava com
o Otto sobre o material que eu tinha pesquisado a respeito do narrador
esportivo Pedro Carneiro Pereira. “Pô, por que a gente não faz um documentário
para lembrar os 30 anos da morte dele?”, propôs o Otto. Fizemos. E a gurizada
voltou com um troféu do Gramado Cinevídeo. Depois, produzimos outros vídeos, um
sobre João Batista Marçal, outro sobre o Flávio Alcaraz Gomes. Cada um com uma
linguagem visual discutida em grupo e uma trilha especialmente trabalhada pelo
Joãozinho Blattner. O Otto saia do áudio, ajudava na produção. Aliás, quem não
fazia isto? Era tudo mesmo trabalho de equipe. E já disse. E vale a
repetição... Que equipe!
Cada subida à Serra gaúcha para algum festival tinha o dedo
do Celso. Era dele a organização do estande da Ulbra. Era dele a, digamos,
prospecção para saber onde almoçaríamos – ou, pra ser sincero, beberíamos – com
os alunos. Na hora de ouvirmos o resultado, lembro que, uma vez, todos nós nos
demos as mãos. E parecia que os corações batiam no mesmo ritmo até ouvirmos o
resultado. Não sei se é o prêmio da fotografia, esta aí, em que ele, o Daniel,
eu e o Henrique estamos abraçados, atrás da Cris, do Otto, da Vera, das gurias,
do Vinicius e do Adelmo, todos no meio dos alunos, o Roger numa ponta –
cabeludo – segurando o pôster do filme Wood & Stock. Na do
restaurante, o Celso não aparece. Solícito como sempre, é ele que está do lado
de lá, batendo a fotografia. Na outra, tá ali, de novo, fazendo câmera,
superfeliz por mim. É o dia em que defendi meu doutorado.
Equipe do Centro de Produção Audiovisual da Ulbra (2006)
Fonte: Acervo pessoal.
Confraternização do Centro de Produção Audiovisual da
Ulbra (2006)
Fonte: Acervo pessoal.
Celso Irion Ribeiro (2005)
Fonte: Acervo pessoal.
Em rádio e televisão, não adianta. Só existe trabalho em
equipe. Por estas coisas da vida – invejas externas, novos desafios, salários
baixos ou atrasados etc. –, fomos nos dispersando. Voltamos a estar juntos no
sábado dia 6 de abril de 2013, quando o coração do Celso parou, em meio ao
futebolzinho do final de semana, de forma abrupta, sem possibilidade de que
algum técnico competente como ele próprio conseguisse repará-lo.
Agora, a gente sabe que esta equipe, por estes lados do
universo, deixou de existir. A gente sabe, também, que um amigo tá nos
esperando. Já descobriu, inclusive, algum cantinho legal pra um bate-papo e
umas risadas. Então, Celso, um dia, a gente chega por aí e vai tomar aquele
trago que ficou faltando. Vai gelando, meu irmão, a cerveja.
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