O bordão nosso de cada dia
2008
Luiz Artur Ferraretto
O bordão é uma marca; todo mundo que trabalha em rádio sabe
disto. Por vezes, é uma marca também, redundância à parte, do seu tempo. Alguns
cheiram a clichê. Algo velho até. Por vezes, na forma de falar, ganham, no
entanto, novas e inusitadas conotações. O arcaico vira moderno. O dos tempos de
antanho, do fox e do tango,
adapta-se ao rock. Giram um
pouquinho mais os ponteiros dos relógios, trocam-se as folhinhas do calendário,
e se transforma em
clássico. Dois exemplos são expressões comuns nos anos 1930 e
1940 adotadas quatro ou cinco décadas depois pelos comunicadores do rádio jovem
porto-alegrense Mauro Borba e Kátia Suman, ambos de berço na Ipanema FM. Se o
primeiro ataca sempre com um “prezados ouvintes”, a segunda tasca um “radiouvintes”
e assim vão recriando, com gosto de novidade, o tradicional e forjando expressões
clássicas – suas marcas – para o seu público. Nesta coisa do presente mutado a
cada instante em passado, há os que chegam quase a registrar com a sua
criatividade um momento particular desta constante transição. Quando a locução
executiva, a do comunicador operando equipamentos enquanto fala ao microfone,
tornou-se comum, Julio Fürst, por exemplo, tonteava os ouvintes com um jogo
rápido de palavras, descrevendo o que estava fazendo dentro do estúdio:
– Eu
pego o disco, tiro o disco, boto o disco, rolo o disco e toco o disco...
Julio Fürst
Entrevista realizada por
Luiz Artur Ferraretto em 12 de novembro de 2004.
Se a palavra que identifica o comunicador atesta como bordão a
passagem das épocas nas ondas de hertz, atua de forma idêntica com as
emissoras, às vezes de modo curioso. A Gaúcha, de Porto Alegre, na década de
1930, identificava-se como “A pioneira”, por ser a mais antiga em atividade na
capital do Rio Grande do Sul. Anos depois, mesmo bem mais velha, adotou o slogan criado por Flávio Alcaraz Gomes
e pela Símbolo Propaganda: “Gaúcha – A fonte da informação”. A Farroupilha, no
apogeu do espetáculo radiofônico, com seus 50 kW, era “A mais poderosa emissora
gaúcha”. Nos anos 1950, a
Difusora, hoje Band AM, teve uma fase como “A única no esporte”. Já sob o
controle dos frades capuchinhos, passou a se identificar como “PRF-9 – Rádio
Difusora Porto-alegrense – Esporte, música e notícia”. Quase na mesma época,
uma pequena pêerre da Zona Norte de Porto Alegre tornou-se a primeira no estado
a transmitir 24 horas, adotando o slogan
“Noite e dia, a Metrópole irradia”.
No interior, não é diferente. Marca-se terreno com um bom
bordão, com uma boa frase de efeito. Em Rio Grande , por exemplo, foi inaugurada, em
meados do século 20, a
Minuano, com estúdios na cidade e utilizando uma nova tecnologia, a frequência
modulada, para levar o seu sinal até a planta transmissora na cidade de São
José do Norte, do outro lado do canal de acesso à Lagoa dos Patos. Criação do
radialista Dolar Tanus, o slogan da nova emissora – “Onde sopra o
minuano, fala a voz do gaúcho” – vai marcar este novo momento do rádio na
região.
Nos tempos da ditadura militar, é a Continental AM, de Porto
Alegre, que vai ousar. E incomodar muito a censura do governo verde-oliva.
Brincava com os índices de audiência aferidos pelo Instituto Brasileiro de
Opinião Pública e Estatística e se assumia como “A rádio que não dá Ibope”. Mas o que mais caracteriza a emissora mesmo são
as dezenas de frases associdas à hora certa e ao prefixo de emissora. De
início, algo assim:
– Na Porto Alegre das menininhas do Colégio Bom Conselho, duas
e 10. Continental, ZYH-223, 1.120 kHz.
Trecho do documentário Rádio Continental AM: rebeldia jovem
nos anos de chumbo (2007)
Fernando Westphalen, diretor da Continental nos anos 1970, relembra os bordões da emissora
Fernando Westphalen, diretor da Continental nos anos 1970, relembra os bordões da emissora
Produção dos alunos de Radiojornalismo 3 do curso de Jornalismo
da Universidade Luterana do Brasil.
Produção: Airton Júnior, Airton Ruschell, Lenemir Falk e
Luciana Borba.
Pós-produção e edição final: Ricardo Pereira.
Professor responsável: Luiz Artur Ferraretto.
Gravado no Centro de
Produção Audiovisual da Universidade Luterana do Brasil, em Canoas, Rio
Grande do Sul.
Fonte:
Acervo particular.
Depois, testando os censores, guardiões da moral, dos bons
costumes e da falta de liberdade, brincando com os fatos que iam se sucedendo
no Brasil da abertura política. Por exemplo, citando o sequestro dos militantes uruguaios de esquerda
Lilian Celiberti e Universindo Dias por policiais do Departamento de Ordem
Política e Social:
– Na Porto Alegre do sequestro dos uruguaios, três e 15.
Continental, ZYH-223, 1.120 kHz.
Na década seguinte, em uma cena política de retorno – lento e
gradual, como queriam os militares – à democracia, a Rede Brasil Sul aproveitou
para lançar um bordão provocativo ao criar uma nova emissora. Depois de uma
campanha com certo teor erótico, voz feminina muito sensual dizendo “Vem
comigo, vem” ou “Vem, vamos fazer os
melhores programas juntos. Eu fui feita para você”, a nova emissora adotou um
slogan ousado para os padrões do início dos anos 1980: “Atlântida FM,
põe e deixa”.
Na época, houve quem se assustasse com tanta audácia, mas
audácia mesmo foi, um pouquinho mais tarde, a de um comunicador de rádio povão.
Exagerando e forçando uma rima, ele repetia ao microfone da Difusora:
– Troque a ceroula ouvindo a Difu-soooo-u-ra!!!!!!!!!!!!
Explica-se. A Farroupilha, que começava a reinar neste
segmento, fazia, então, intensa campanha com promoções envolvendo uma marca de
pilha. Era o “Troque a pilha na Farroupilha”. Mesmo assim, nos dois casos, haja
criatividade. Ou falta desta.
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