Flávio Alcaraz Gomes e as conquistas da Guaíba
2007
Luiz Artur Ferraretto

Flávio Alcaraz Gomes, em entrevista a Joabel Pereira, relembra os principais momentos de sua carreira (20 de maio de 2007)
Fonte: TV GUAÍBA. Fórum. Porto Alegre, 20 maio 2007. Programa de televisão.

Lá pelas tantas em sua longa e algo atribulada vida, o jornalista – ele prefere a palavra “repórter” – Flávio Alcaraz Gomes cismou em andar pelos campos dos antepassados. Era a volta às origens. Dizem que todo ibérico tem um lado Quijote e outro Sancho. Talvez, do primeiro, tenham vindo algumas aventuras perseguidas nos horizontes do Flávio. A maior delas, sem dúvida, a da Guaíba, aquela das grandes conquistas, das coberturas internacionais, do som privilegiado e de um profundo bom gosto. Esta é a rádio do Flávio, diretor comercial lá pelos primeiros anos da emissora ligada, então, aos jornais Correio do Povo e Folha da Tarde e, tempos depois, à Folha da Manhã. Diretor comercial, diga-se de passagem, algo metido para os assépticos padrões administrativos de hoje. Diretor comercial que pensa e interfere muito com várias bem-sucedidas ideias no dia a dia da rádio e criações na programação.

É dele o Trabalhando com Música, inspirado no Travaillant en Musique, da Radiodifusion Française, que o Flávio conheceu nos anos passados às margens do Sena, quando foi descobrir se o tradutor brasileiro de Ernest Hemingway estava certo ou não. Afinal, tanto faz! A moveable feast, no original em inglês, ou Paris é uma Festa, em português. Ah, e o Dê Asas à sua Inteligência, um quiz show réplica do The $64,000 Question, da CBS, dos Estados Unidos. Como a Guaíba não possuía auditório, o programa de perguntas e respostas ocupava o intervalo entre a primeira e a segunda sessões das noites de terça-feira no Cinema Imperial. E lá está a Cidade Luz de novo. Não havendo verba para prêmios milionários, o Flávio negociou passagens aéreas com a Panair do Brasil. A cada etapa ultrapassada, o patrocinador oferecia viagens para capitais de estados cada vez mais distantes até chegar ao prêmio máximo – e internacional –, Paris, com as despesas de transporte aéreo e de estada pagas. Apresentado por Jorge Alberto Mendes Ribeiro, o Dê Asas é, na época, como o Flávio lembraria, na sua coluna do Correio do Povo, “um sucesso de arrasa-quarteirão”.

São só dois exemplos. Óbvio que tem mais. Há a cobertura da Copa do Mundo de 1958, o som da torcida sueca na final, ecoando no estádio – “Eia Eia Svenska! Eia Eia Sverige!”– e chegando ao Brasil pela novata Guaíba, que mal completara um ano. E, depois, gol a gol, a primeira conquista, quatro anos de Taça Jules Rimet em terras tupiniquins. E vieram outras copas, outros conflitos, menos alegres, menos festivos... Sangue nas areias do Oriente Médio. Guerra do Seis Dias. Sangue nas selvas asiáticas. Guerra do Vietnã. Pedras e gás lacrimogênio nas ruas de Paris. Paris, maio de 1968. Uma fantástica conquista, o ser humano na Lua, visto por um pequeno monitor no centro de imprensa montado pela Nasa:

– Nós divisamos apenas a sua silhueta, mas não há dúvida nenhuma: é uma silhueta de um bípede, de um homem, de um homem como nós, de um representante da espécie humana tomando posse, em nome da humanidade, da Lua!

E mais guerras, como a do Yom Kipur. Tensão em Montevidéu com o sequestro do cônsul Aluísio Dias Gomide. Ah, e os programas. Quem viveu no final dos anos 1960, primeira metade dos 1970, lembra, com certeza, do 2001. O Flávio, esperto como só ele, aproveita o sucesso do filme 2001: uma Odisseia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick, para dar nome a um quase documentário de teor didático. Explora recursos radiofônicos e, por vezes, recorre à entrevista como único instrumento. Marca época a abertura do 2001 com uma espécie de bordão do programa, em texto e sonoplastia, fechando a breve introdução do assunto do dia:

– ...para os que nos ouvem hoje e para os que nos ouvirão mesmo depois de...

E, após uma pausa, para que se escute o mesmo trecho de Also Sprach Zarathustra, de Richard Strauss, usado nas cenas iniciais da produção cinematográfica de Kubrick:

– ... 2001.

Tem também o Agora, uma revolução no rádio do Rio Grande do Sul, com o Flávio dividindo microfone com Adroaldo Streck e introduzindo, no cotidiano das emissoras do Rio Grande do Sul, a participação – ao vivo ou gravada – de entrevistados, repórteres e correspondentes, por telefone ou no estúdio.

Pois é, quando a Guaíba surgiu o Flávio estava lá no Theatro São Pedro, assistindo à inauguração com seus quase 30 anos de idade. Hoje, cinco décadas depois, segue, com a mesma vitalidade, de ficar nervoso em casa nos feriados e finais de semana, quando não comanda o seu Guerrilheiros da Notícia. Segue acordando cedo, descendo o morro Santa Tereza, onde está sua casa, e, de segunda a sexta, fazendo a história dos protagonistas dos fatos, dos ouvintes e de si próprio. Com a mesma vitalidade de sua coluna no Correio do Povo e da outra versão dos Guerrilheiros, a da televisão. Prova de que, naquela viagem de volta às raízes ibéricas, seu primo Constantino tinha mesmo razão. Como ele dizia, os Alcaraz são mesmo de buena madera. E sem o Flávio não haveria um porquê de ser a Guaíba, a dos 720 Khz com aquele som que só a Guaíba tem, uma tradição do Rio Grande do Sul.

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