Homero Carlos Simon e o som perfeito da Guaíba
2007
Luiz Artur Ferraretto


Homero Carlos Simon (junho de 1958)
Fonte: Correio do Povo, Porto Alegre, 29 jun. 1958. p. 34.

Era a velha Guaíba, aquela dos primeiros anos de um rádio mais sóbrio no Rio Grande do Sul, de um rádio dosando notícias, esporte, música e algumas atrações de auditório e de radioteatro. Era a emissora com um som diferenciado, mais claro, mais nítido, a do engenheiro Homero Carlos Simon. Desde 1953, quatro anos antes, portanto, da inauguração da estação ligada aos jornais Correio do Povo e Folha da Tarde, ele vinha planejando e orientando a instalação dos transmissores colocados na ilha da Pintada de forma a aproveitar, para melhorar as irradiações, a conformação geográfica do local, o espelho d’água formado pelo lago Guaíba, na época chamado de rio.

Em 1942, ainda estudante, Homero Carlos Simon começa a trabalhar como um dos técnicos da Rádio Sociedade Gaúcha. Mesma emissora para qual idealizaria o melhor auditório que Porto Alegre já viu, o do 11º andar do Edifício União, inaugurado no início dos anos 1950. Tanta qualidade só podia fazer com que Simon fosse com frequência consultado por seus colegas nas audácias dos primeiros tempos daquela velha Guaíba. É a ele que Amir Domingues recorre para identificar os circuitos de radiocomunicação a serem usados na transmissão de dados de todo o estado na cobertura das eleições de 1958, parceria repetida quatro anos depois em nível nacional. É nele que Flávio Alcaraz Gomes busca amparo técnico para esquematizar a recepção dos sinais enviados da Suécia na Copa do Mundo. Tudo naqueles tempos em que falar de Porto Alegre a São Paulo era uma dificuldade quase instransponível em termos de telefonia, que dirá usando ondas eletromagnéticas.

No plano político, o mais importante engenheiro da história do rádio no Rio Grande do Sul simpatiza com o Partido Trabalhista Brasileiro. No governo Brizola, integra, assim, a Comissão Estadual de Energia Elétrica, responsável pela estatização da subsidiária gaúcha da The Electric Bond and Share Company, levada a cabo em 13 de maio de 1959. No início da década seguinte, preside o Conselho Estadual de Comunicações, órgão por onde passa a encampação, em 16 de fevereiro de 1962, das instalações da Companhia Telefônica Nacional, controlada pela International Telegraph and Telephone Company. É este engenheiro competente afinado ideologicamente com o trabalhismo o responsável técnico pela formação da Rede da Legalidade, em agosto e setembro de 1961, porta-voz radiofônico da mobilização popular que garante a posse de João Goulart.

Sinal do Sputnik, satélite artificial lançado pela União Soviética (outubro de 1957)
Fonte: Acervo particular de Flávio Alcaraz Gomes.

De Homero Carlos Simon, pode-se ainda destacar o caráter visionário, de alguém que sabia como poucos identificar o potencial de novas tecnologias. Em 4 de outubro de 1957, por exemplo, a Guaíba, em um feito tecnológico para a época, capta o sinal do Sputnik, o primeiro satélite artificial da história, lançado horas antes pela União Soviética. A transmissão daquele bip-bip marcava uma audácia técnica do engenheiro. Vinte anos depois, como registra depoimento de Simon existente no acervo do Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa, ele integrou um grupo de pesquisa com uma proposta muito à frente de sua época. Queria conectar a capital à cidade de Venâncio Aires, em um projeto pioneiro de TV a cabo, os sinais chegando até lá por microondas:

  Levaríamos todos os canais de Porto Alegre, de televisão, de entretenimento, os convencionais, e lá distribuiríamos à população. E, ao mesmo tempo, também implementaríamos três canais destinados à educação: um canal que operaria permanentemente com material de nível primário; de nível secundário em outro canal; e de nível superior e de educação continuada no terceiro canal.

Como se sabe, a TV a cabo só entraria com força no mercado quase 20 anos depois. Daí, a gente ficar imaginado quantos teriam usufruído em termos de lazer e de educação daquele projeto, mais uma audácia do engenheiro Homero Carlos Simon, aquele, o da velha Guaíba.

Homero Carlos Simon (12 de junho de 1977)
Fonte: Acervo do Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa.

2 comentários:

  1. Tive o privilégio de ser colega do engenheiro Homero na Guaíba e como aluno dele na Fabico. Acho que o mestre superestimava seus alunos, tanto assim que pediu como trabalho de aula a descrição de um rack (equipamento que recebe e distribui as linhas em uma emissora de rádio, soube depois). Para alunos do segundo ou terceiro e semestre isso era um absoluto mistério. Fui salvo pelos operadores da rádio Gaúcha, já que trabalhava (acho que era 1972) no arquivo da ZH que ficava ao lado do estúdio de onde era transmitido o Sala de Redação. Acabei enfrentando e vencendo o desafio proposto pelo professor Homero, um desafio em escala bem menor dos que ele se impunha ou era demandado,resolvendo com avanços para o radio do RS. Homero Simon era um gênio da raça;.

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  2. Já eu não tive este privilégio, Flávio. No entanto, quando era estagiário da Rádio da Universidade, alguns colegas não gostavam muito de atender as pessoas que iam divulgar alguma coisa na emissora. Um senhor, uma vez por semana, creio que nas quintas à tarde, passava lá com sugestões de entrevistas ou material do Sindicato dos Engenheiros. Como eu era o mais inexperiente, "sobrou" para mim atendê-lo. Quando ele me disse o nome - "Homero Carlos SImon" -, eu pensei: "Faço questão de atendê-lo daqui para a frente". Foz isto várias vezes. Era extremamente educado. Minha timidez de pré-foca - nem foca eu era - sempre me impediu de puxar conversa com aquele monumento do rádio. Há uns dias, comentei isto com meu irmão, que é engenheiro. Ele me mostrou a primeira carteira dele do sindicato com a assinatura do então presidente da entidade, Homero Carlos SImon. O meu irmão, ouvinte da Guaíba dos anos 1960 e 1970, guarda o "autógrafo" como relíquia.
    Luiz Artur Ferraretto

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