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Manoel Braga Gastal, o homem dos dois dedos de prosa
2007
Luiz Artur Ferraretto

Muito se escreveu na imprensa de Porto Alegre sobre Manoel Braga Gastal, advogado, professor, político, desportista, jornalista e radialista falecido no domingo, dia 1º de abril. Conversei com ele em junho do ano passado pela última vez. Nas várias vezes em que o entrevistei, por telefone ou pessoalmente, Braga Gastal sempre me surpreendeu. Como político esteve ligado ao Partido Libertador, legenda tradicionalmente conservadora. Ao saber que, na mesma tarde em que conversávamos pela primeira vez, isto lá por meados de 1999, eu iria entrevistar Lauro Hagemann, seu ex-colega dos tempos da Rádio Farroupilha, mas dedicado militante comunista, pediu que eu desse um forte abraço no mais famoso Repórter Esso do Sul do país e sentenciou:

– Um adversário muito sério, pessoa de respeito e muito querido!

Horas depois, Lauro, da esquerda para a direita, repetia quase a mesma frase. Quando conversamos pela última vez, Gastal me falou da felicidade de morar em frente a uma praça que leva o nome do grande poeta e dramaturgo espanhol García Lorca, vítima do franquismo. E deu um show, declamando poesias em frente à sua casa. Estava, então, por completar 90 anos e se orgulhava de ser o jornalista mais velho em atividade no Rio Grande do Sul, escrevendo editoriais para o Correio do Povo.

Graças a Manoel Braga Gastal, consigo hoje imaginar como era o velho prédio da Farroupilha nos altos do viaduto que permite à Duque de Caxias passar sobre a Borges de Medeiros. Consigo também me deslocar por outras dependências da emissora, aquelas mais no centro de Porto Alegre, as da sua segunda sede. E é em homenagem a esta passagem pelo microfone da então PRH-2 que é impossível falar de Braga Gastal sem citar o comentário Dois Dedos de Prosa, que redigiu de 1948 a 1960. Admirador do parlamentarista Raul Pilla, que havia fundado o Partido Libertador, o advogado e radialista exercia, em 1954, um mandato como vereador pelo PL em Porto Alegre. Lidos pelo próprio Gastal ou por um locutor, os textos seguiam à risca a orientação partidária. Defendiam um Estado que, no campo econômico, orientaria, estimularia e assistiria a produção, interferindo somente quando necessário ao bem comum e não concorrendo com a iniciativa privada. Nesta linha, o capital estrangeiro deveria receber o mesmo tratamento legal, fiscal e administrativo dispensado ao capital nacional. Os comentários, naquele período, portanto, criticavam, fortemente, o nacionalismo e outras atitudes do governo Vargas:

– Eu atacava, mas eu atacava dentro dos padrões, meus e da Farroupilha, com dignidade, com honestidade, com uma forma de dizer correta. Era opinião, bem sólida e consolidada, que esteve no ar por 12 anos.

Em 24 de agosto de 1954, após a divulgação do suicídio do presidente da República, um dos alvos da fúria popular seria o prédio da Farroupilha, totalmente destruído então. Na origem da depredação, para alguns, está a contundência daqueles dois dedos de prosa, força que o texto de Braga Gastal, se esteja contra ou se esteja a favor, não perderia com o passar do tempo.


Manoel Braga Gastal revive o comentário Dois Dedos de Prosa (1977)
Entrevista realizada por José Antônio Daudt para o programa Opinião Pública, da Rádio Difusora Porto-alegrense, transmitido em 26 de setembro de 1977.
Fonte: Acervo do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa.
A Cervejaria Brahma e a cobertura esportiva da Gaúcha
2013
Luiz Artur Ferraretto

Quando a Brahma assumiu o controle da Cervejaria Continental, no Rio Grande do Sul, buscou o apoio do rádio para se firmar no mercado do Rio Grande do Sul. Algo comum décadas depois, a associação de uma marca de cerveja às transmissões esportivas era uma novidade no rádio naquele final dos anos 1940. E acabaria impulsionando o trabalho da Gaúcha nesta área, não tão explorada quanto hoje pelas emissoras. Por esta época, o esporte, junto com os informativos em geral, ocupa uma terceira posição em termos de importância dentro da programação das peerres locais. No final dos anos 1940, a atenção do público começa a se fixar mesmo nas novelas, então expressão máxima do radioteatro em quantidade de ouvintes, seguindo-se a elas os humorísticos e os programas de auditório, três gêneros que conformam o espetáculo radiofônico da década seguinte. Aos noticiários, às reportagens e às coberturas esportivas, caberá, mais tarde, depois do advento da televisão, servir de base para a reestruturação do rádio, abalado pela perda de atrações, público e anunciantes.

O vantajoso acordo publicitário com a Cervejaria Brahma, portanto, torna-se um poderoso diferencial e impulsiona o desenvolvimento da programação esportiva na Gaúcha, como explica Breno Futuro, genro de Arthur Pizzoli, o proprietário da rádio:

Quando a Cervejaria Continental foi vendida para a Brahma – a Continental não anunciava quase nada –, eles compraram todo o espaço esportivo da Gaúcha. Só da Gaúcha. Onde tinha irradiação de esportes, a Brahma estava dando cobertura. E passou a Brahma a ser sinônimo de cerveja aqui no Rio Grande do Sul, por isto, pelo peso na programação da Gaúcha. No esporte, a Gaúcha era absoluta devido ao patrocínio exclusivo da Brahma. Entrou com muita força e nos deu capital para irradiarmos de onde fosse preciso.
A parceria vai garantir a irradiação dos jogos de futebol dos times gaúchos não apenas nos gramados locais. Em 14 de maio de 1949, Cândido Norberto vai fazer, assim, a primeira transmissão esportiva internacional do rádio do Rio Grande do Sul, como recordaria, 50 anos depois, o jornal Zero Hora:

No outono de 1949, o locutor Cândido Norberto, vestido elegantemente com um terno feito de legítima casimira inglesa, ocupou um lugar nas tribunas de imprensa do Estádio Centenário e transmitiu o amistoso entre Grêmio e Nacional, em comemoração aos 50 años triunfales, o cinquentenário de fundação do clube uruguaio. Era também o primeiro jogo de um time gaúcho fora do país. O Grêmio venceu por 3 a 1 e ajudou a colocar na história a transmissão de Cândido. Sem satélites, tevês, celulares ou fibras óticas, a narração navegou por ondas curtas, com as linhas da antiga Radional em uma prudente reserva técnica. Sem linha de retorno, como acontecia na época, Cândido só no final soube que a primeira transmissão internacional fora um sucesso.
Cândido Norberto transmite Grêmio e Nacional (14 de maio de 1949)
Fonte: Zero Hora, Porto Alegre, 14 maio 1999. p. 70.

No mesmo ano e em condições mais adversas, Cândido Norberto acompanha a excursão do Grêmio pela América Central, narrando jogos na Guatemala e em El Salvador. Nestas transmissões internacionais, por vezes, o alto custo da empreitada obrigava que fosse buscado também um reforço com outros patrocinadores.

Breno Martins Futuro
Entrevista realizada por Luiz Artur Ferraretto em 26 de junho de 1999.


Cândido Norberto Santos
Entrevista realizada por Luiz Artur Ferraretto em 10 de junho de 1999.
Cândido Norberto, o início de carreira do mais importante radialista gaúcho
2006
Luiz Artur Ferraretto

No início dos anos 1940, o bageense Cândido Norberto Santos divide seu tempo entre o estudo e o trabalho como repórter na Folha da Tarde, então um sucesso editorial. Por vezes, acompanha o colega João Bergmann, o Jotabê, conhecido cronista das coisas de Porto Alegre, à Rádio Difusora Porto-alegrense e vai tomando contato com o veículo que marcará sua trajetória profissional ao longo das sete décadas seguintes.

– O Jotabê era locutor da Rádio Difusora e, como nós trabalhávamos juntos na Folha pela parte da manhã, era comum que almoçássemos também juntos e, depois, a partir de certo momento, continuássemos a conversa na Rádio Difusora, que era a “PRF-9 – Rádio Difusora Porto-alegrense, a sua emissora”. Era o slogan dela. Enquanto rodava um disco e outro, ficávamos conversando dentro do estúdio. Uma tarde, por estas coisas da vida, houve um imprevisto e ele teve de sair urgentemente para atender um telefonema, mas o telefonema se prolongou. Abriu o microfone e o operador fez sinal... E eu li uns textos. A partir daí, fui convidado para fazer locução comercial. Já entrei também como redator de textos comerciais. Logo em seguida, já estava fazendo um comentário chamado O Fato e Algumas Palavras, que ia à noite.

Da Difusora, tempos depois, Cândido passa a trabalhar na Rádio Gaúcha, ambas as emissoras, na época, sob o controle de Arthur Pizzoli. A versatilidade já marca, então, a carreira do radialista.

– Certa vez, eu saí de um jogo do campo do Força e Luz [time de futebol da empresa que fornecia energia elétrica à capital gaúcha]. Eu estava narrando um jogo de futebol em plena Semana Santa. Saí do campo, larguei o microfone, entrei correndo no estúdio, na rádio, e começamos a tratar da interpretação da vida, paixão e morte de Jesus Cristo. Por sinal, era uma Quinta-feira Santa. Sabe quem era o Jesus Cristo? Eu. Aquele santíssimo homem. [fazendo o sinal da cruz] A paz esteja convosco! Saí da narração estridente de um jogo de futebol para fazer o suave Jesus Cristo. Era algo alucinante.

Como diretor artístico da Rádio Gaúcha, Cândido protagoniza duas iniciativas pioneiras na radiodifusão do Rio Grande do Sul. Numa época de novelas transmitidas duas ou três vezes por semana, ele introduz a irradiação em capítulos diários apresentados na primeira parte do programa Tapete Mágico. A atração faz o sucesso das noites da Rádio Gaúcha, de segunda a sexta, das 20 às 21h, na virada da década de 1940 para a de 50. Além disto, em 14 de maio de 1949, Cândido torna-se o primeiro profissional de rádio do Rio Grande do Sul a transmitir um jogo de futebol fora do país. Nesta fase, fazendo frente à Farroupilha, Cândido contrata, também, Walter Ferreira e Adroaldo Guerra. Junto com eles, cartazes de destaque no rádio porto-alegrense, divide, em 1948, os papéis principais de Os Três Homens Maus, novela de Raymundo Lopes, um grande sucesso junto ao público:

A coisa chegou a tal extremo de popularidade, de força, que o mais frequente era encontrar, em qualquer ponto de Porto Alegre, Oficina Mecânica Três Homens Maus, Padaria Três Homens Maus, não-sei-o-que Três Homens Maus...

Cartão promocional da novela Os Três Homens Maus (1948)
Da esquerda para a direita, Cândido Norberto, Adroaldo Guerra e Walter Ferreira.
Fonte: Zero Hora, Porto Alegre, 9 jul. 2001. p. 46.

Cândido fica conhecido, também, pelo Pensando em Voz Alta, espaço de opinião sempre marcado pela Glenn Miller Orchestra interpretando Moonlight Serenade, que serve de cortina musical. O comentário torna-se um dos tantos trabalhos do radialista a permanecer na memória dos ouvintes. Décadas depois, numa homenagem ao Dia do Rádio, em 1975, a pedido da produção do programa Opinião Pública, de José Antônio Daudt, na mesma Difusora em que começara sua carreira, Cândido relembraria os tempos de pensar em voz alta, não que deixasse de refletir assim nas três décadas seguintes. Até porque, nem só dos tempos do rádio espetáculo se fez a sua trajetória profissional. Por isto, sobre o Cândido, há que voltar a falar, mesmo, mais adiante. São décadas de rádio e 79 anos de vida completados no dia 18 de outubro deste 2006.

Cândido Norberto revive o comentário Pensando em Voz Alta (1977)
Entrevista realizada por José Antônio Daudt para o programa Opinião Pública, da Rádio Difusora Porto-alegrense, transmitido em 26 de setembro de 1977.
Fonte: Acervo do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa.
Cândido Norberto e as volutas da memória
2009

Cândido Norberto (2002)
Fonte: TV ASSEMBLEIA. Democracia, Porto Alegre, 18 set. 2002. Programa de televisão.

Fonte: FERRARETTO, Luiz Artur. Cândido Norberto e as volutas da memória. Zero Hora, Porto Alegre, 3 fev. 2009. p. 15.
Cândido Norberto morre aos 83 anos
2009


Fonte: CÂNDIDO morre aos 83 anos. Zero Hora, Porto Alegre, 2 fev. 2009. p. 4-5.

Fonte: SANT’ANA, Paulo. Adeus... Zero Hora, Porto Alegre, 2 fev. 2009. p. 39.

Fonte: SANT’ANA, Paulo. Cândido ficou conosco. Zero Hora, Porto Alegre, 3 fev. 2009. p. 47.

Fonte: OSTERMANN, Ruy Carlos. Cândido faz falta. Zero Hora, Porto Alegre, 3 fev. 2009. p. 44.

Fonte: GOMES, Flávio Alcaraz. O amigo mais certo das horas incertas. O Sul, Porto Alegre, 4 fev. 2009. Caderno Colunistas, p. 1.

Fonte: COPSTEIN, Jayme. Imagina, cara! O Sul, Porto Alegre, 3 fev. 2009. Caderno Colunistas, p. 3.


O jornalista e radialista Claudio Brito presta sua homenagem, conversando com Nilson Souza, editor de Opinião do jornal Zero Hora, e reproduzindo trechos da última entrevista dada por Cândido Norberto.
Fonte: RÁDIO GAÚCHA. Gaúcha no Carnaval. Porto Alegre, 2 fev. 2013. Programa de rádio.
João Bergmann: o cronista da cidade e descobridor de Cândido Norberto
2013
Gustavo Monteiro Chagas
Estudante de Jornalismo (UFRGS)

Se cada leitor tem um colunista de jornal favorito, nos anos 1950, Porto Alegre como um todo tinha lá o seu também: João Bergmann. O sucesso era tanto, que ganhou o epíteto “O cronista da cidade”, graças às crônicas publicadas sob o pseudônimo Jotabê nos jornais Correio do Povo e Folha da Tarde, ambos da Caldas Júnior. João também foi locutor de rádio, levando, quase sem querer, Cândido Norberto para o meio. Mesmo morrendo jovem, com apenas 38 anos, o cronista marcou a história da imprensa gaúcha. Era uma espécie de Luiz Fernando Verissimo daqueles tempos.

João Bergmann nasceu em Porto Alegre em 1922. Formou-se em Direito no portentoso palacete que ainda abriga a faculdade hoje ligada à Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Trabalhou como consultor jurídico do Sindicado dos Lojistas. Sua carreira no jornalismo começou na Folha da Tarde, no início dos anos 1940. O emprego foi obtido com ajuda de Arlindo Pasqualini, anos depois, seu colega no curso de jornalismo. Na Folha, Jotabê começou escrevendo reportagens da editoria de geral e, mais tarde, trabalhou na editoria nacional.

Ainda naquela década, Jotabê trabalhou na Rádio Difusora Porto-alegrense. Era locutor (ou, como se dizia na época, speaker). Seu dia era dividido entre a rotina do jornal pela manhã e a da emissora de rádio pela tarde. Nas idas diárias para a Difusora, Jotabê era acompanhado por Cândido Norberto, seu colega da Folha. Certa vez, Cândido teve que substituir o amigo na locução enquanto o cronista atendia ao telefone. E assim, por um acaso, o Rio Grande do Sul ganhava um dos maiores radialistas de sua história.

Mesmo com carreira consolidada, Bergmann seguiu os estudos, formando-se no curso de Jornalismo em 1954, na primeira turma da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. O cronista foi o orador da turma de 47 alunos que havia iniciado a graduação dois anos antes. Ainda em 1954, Bergmann ganhou um espaço próprio para seus textos na Folha. Era o De Ontem para Hoje.

Irônico e bem-humorado, Jotabê tratava dos assuntos do cotidiano dos porto-alegrenses da época. Suas crônicas tinham espaço para economia, política, problemas da cidade, entre outros temas. Até o trânsito, complicado já naquela época, era alvo do sarcasmo do cronista. Nos domingos, Jotabê mantinha coluna no Correio do Povo, intitulada O Domingo é Meu. Junto com suas crônicas, vinham ilustrações de profissionais como Sampaio, Xico Stockinger e George Duque Estrada.

Jotabê morreu em julho de 1960, vítima de um ataque cardíaco. Foi casado com Bernardina Assis e teve quatro filhos (entre eles o dirigente e conselheiro do Grêmio, João Luiz Bergmann, morto em 1983). Em 1964, suas crônicas publicadas na Folha e no Correio renderam o livro Crônicas de Jotabê, lançado pelo Instituto Estadual do Livro da Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul. Hoje, João Bergmann é nome de uma praça na Vila Assunção, na Zona Sul de Porto Alegre.

Nas crônicas que abrem o livro, o jornalista brinca com as radionovelas da época, criando a fictícia Almas irmãs gêmeas nascidas no mesmo dia com a diferença de cinco minutos apenas ou Os grilhões de uma consciência agrilhoada. Confira:


NOVELA 
Inúmeros críticos cinematográficos a quem submeti, modestamente, os screen-plays dos meus dois primeiros filmes nacionais, não foram capazes de esconder a surpresa diante do fato de ter eu podido fazer, assim de saída, uma coisa que os americanos levaram anos e anos fazendo. Um deles declarou, textualmente, que os meus filmes só eram comparáveis ao incomparável Radische Yuywzrvqspklmxesxch Srqthgflçbn, filme croata-esloveno que, como os meus, ainda não foi exibido no Brasil. Outro, foi ao ponto de classificar-me como autor claroescuramente precoce, iludido, por certo, com este meu natural bem cuidado e jovial que dá, aos circunstantes menos avisados, a impressão de estarem à frente de um simples garoto, em idade de bambolê. O que, no fundo, não passa de mera ilusão de ótica, mas ainda assim tão perfeita que nem os sinais de uma calvície com entradas pela frente e pelos fundos conseguem prejudicar, tanto mais que como todos sabem, um dos mais meninos prodígios do cinema, o querido Pablito, de Marcelino, pão e vinho, também é Calvo. 
Devo, entretanto, a bem da verdade, esclarecer que não alcancei aquelas culminâncias, logo no primeiro voo. Antes de abalançar-me à produção de enredos cinematográficos, produzi uma novela radiofônica, a qual só não chegou a ser lançada ao ar, por falta de patrocinador. No geral, os dirigentes das firmas procuradas eram para esse fim, não queriam assumir compromissos tão longos, alegando que não sabiam se os seus netos desejariam manter o programa e interromper, assim, no meio, uma novela de sucesso, como a minha, poderia criar um grave caso de comoção intestina. 
O título que escolhi, modéstia à parte, é bastante sugestivo e capaz de provocar enorme sintonia: Almas irmãs gêmeas nascidas no mesmo dia com a diferença de cinco minutos apenas ou Os grilhões de uma consciência agrilhoada. 
A história é simples, porém emocionante. Trata-se de dois irmãos que não sabem que são irmãos, pois viveram, sempre, em quartos separados e faziam refeições em horas diferentes, sem jamais terem descoberto o terrível segredo que cercava as suas origens. 
Uma vez, graças à bisbilhotice de uma vizinha, quase que fica tudo esclarecido, estragando-se a novela, antes, mesmo, de começar. Felizmente, porém, a megera é fulminada no momento em que ia contar tudo a André: − Meu pobre André, como tens vivido na ilusão! Ao que André retruca: − Fale claro, D. Esmeralda. Eu tenho o direito de saber tudo, tudo, t-u-d-o, tudo! Pelo amor de Deus, D. Esmeralda. Fale por favor! Fa (soluça) le! Pelo que, D. Esmeralda, já com voz sumida de quem vai ter uma coisa daí a pouco, resolve abrir-se: “Não sei se deva, meu filho. O segredo não é só meu. Mas aquele que m’o confiou em seu leito de molas, já não mais existe. (Ofega, bem perto do microfone que deverá ser convenientemente desinfetado, logo após) André! Ó meu pobre André! És ir... (cai, vitimada por um mal súbito, cujo mal, um quintanista de medicina, chamado às pressas, informa ser nó nas tripas, pois a novela se passa antes da invenção do apêndice). 
Vai daí que André e Maurício (o outro irmão que também não sabe que é irmão) apaixonam-se pela mesma moça, a loira e doce Margarida, a qual – vejam só a sutileza da trama – apaixona-se por André, acreditando que ele é o Maurício. Margarida, por seu turno, também tem uma irmã, a quem não vê há vários anos, porque foi dada como perdida durante o incêndio de um circo, mas, na verdade, fora recolhida pela mulher barbuda que a criou como um pai, ocultando-lhe, sempre, a história de sua vida. No circo, Martha, (é o seu nome verdadeiro, conforme assentamento constante a fls. 137 verso do livro 3-AB do Cartório de Registro de Nascimentos e Óbitos da Comarca) por uma dessas coincidências que nos fazem acreditar em inspirações sobrenaturais, passa a se chamar Margarida, o que, até hoje, me espanta, pois asseguro-vos que a mulher barbuda não conhecia a família de Martha, ignorando, completamente, o nome da irmã dela, não podendo, assim, ser intencional o uso daquele prenome. 
Um dia, depois de muitas voltas pelo mundo, o circo retorna à cidade e anuncia a sua grande atração: “Margarida, a única mulher barbuda que não tem barbas, em números de arrepiar os cabelos”. Preços reduzidos. 
Irá Margarida-Margarida ao circo para ver Margarida-Martha? E, se for, lá estarão, também, nas gerais, André e Maurício? E será que Margarida-Martha, durante o seu número do trapézio da morte não sentirá uma vertigem e cairá lá de cima?’ E André e Maurício, quando todo o mundo ficar sem saber o que fazer, não saltarão, ao mesmo tempo, para o picadeiro, a fim de socorrerem a jovem e bela moça? E não acabarão, a instâncias do Sr. Cordeiro (pai das Margaridas) levando-a para a case dele, a fim de, ali, ser melhor atendida? E não será isso, afinal, o que proporcionará ao Autor a possibilidade de, 53 capítulos após, escrever uma das mais comoventes páginas do rádio brasileiro, quando o Sr. Cordeiro descobre que é pai de sua filha e esta, por sua vez, fica sabendo que é filha de seu pai, caindo, ambos, de joelhos, um à frente do outro, com mal disfarçada emoção: “Minha filha! Minha pobre filha!” – “Meu pai! Meu pobre pai!”? 
Será.
Fonte: BERGMANN, João. Novela. In: DUARTE, Júlio; REVERBEL, Carlos (Org.).
Crônicas JotaBe. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1964. p. 15-18. 

NOVELA (II) 
Nos 162 capítulos anteriores desta emocionante novela radiofônica que escrevi em prantos e que só não chegou a ser levada ao ar por absoluta falta de um patrocinador de boa visão, sobretudo, vida longa, vimos que André e Maurício, dois irmãos bastante gêmeos, ignorando completamente essa circunstância, apaixonaram-se pela mesma moça, a qual, por sua vez, perdeu-se de amores por André, acreditando que ele fosse Maurício, sem falar em que ela possuía, também, uma irmã, cuja irmã perdera-se no verdor dos anos, durante um incêndio de um circo, nunca mais se ouvindo falar nela. Mas eis que o circo volta (os circos sempre voltam ao local do incêndio) e por uma série de coincidências felizes, a irmã circense, pois a meninazinha não morrera carbonizada como noticiou um órgão de imprensa local (o esqueletinho achado no dia seguinte, entre os escombros, era da macaca Balduina, com quem Martha nutria, apenas leve parecença) e, sim, acolhida pela mulher barbuda que a criou como um pai. Dezenas de capítulos após, o pai das moças descobre que a artista do circo que caiu do trapézio fraturando a bacia, sendo levada para sua casa, dele, não era nada mais nem menos do que a sua querida filhinha Martha, lançando-se um nos braços do outro, com tanto entusiasmo que se verificou nova fratura da moça, desta vez no ante-braço esquerdo, pois como todos estarão lembrados, a vítima era completamente canhota. Encanado o braço, ficou resolvido o problema das irmãs, permanecendo de pé, entretanto, o dos irmãos. Ah! Esqueci-me de dizer que um era de caráter honesto, trabalhador, cumpridor de seus deveres, incapaz de dizer uma leve mentira, ainda que em seu próprio benefício, motivo pelo qual estava bastante mal de vida, mas não se queixava nem pedia dinheiro emprestado, sendo, por isso, muito bem-quisto. O outro, era um refinado patife, hipócrita e falso, jogador profissional de bambolê a dinheiro, o que lhe dava grossos lucros, no geral obtidos com trapaças e com o uso de arcos falsos que trazia escondidos na manga, pelo que era muito considerado nas altas rodas, prevendo-se para ele uma bonita carreira na política, mediante a compra de votos nas eleições. Maurício era o bom; André era o canalha. Digo, o canalha era Maurício e André o bom. Não, o bom era Maurício. Aliás, confesso-vos que não me recordo muito bem desse detalhe, mas no final não faz muita diferença, pois tocado pelo amor angelical de Margarida, o ruim regenera-se e o bom, por ela desprezado, dá para beber, matando um pobre velho que veio lhe oferecer um buquê de margaridas, num dia em que, como de costume, bebera mais do que habitualmente, motivo pelo qual foi recolhido à Ilha-Presídio, com um espantalho vestido de guarda à porta da sua cela, da qual só conseguiu fugir 12 horas depois, aproveitando-se de um descuido do carcereiro. Esclareço-vos que cheguei a pensar, seriamente em fazer surgir um romance entre este irmão e a irmã reencontrada de Margarida, mas a coitada também não deu em boa coisa, fugindo de cada com um vendedor de cachorro quente, sem mostarda, o que ocasionou a morte, em 5 capítulos, do seu pobre pai, vitimado por insidiosa falta de ar, segundo diagnosticou um quinta-anista de medicina, pois a ação se passa antes da descoberta do enfarte do miocárdio. 
No último capítulo, na última cena, há, modéstia à parte, um diálogo belíssimo, entre Maurício e Margarida. Ele pega e diz – Amar-me-ás, sempre, Margarida? Ao que ela retruca, docemente: Amar-te-ei sempre, sempre, sempre. Daí ele vai e ela vai e dizem: 
− Minha Margarida...  
− Meu André... 
Não sei, até hoje, como foi que ela descobriu.
Fonte: BERGMANN, João. Novela. In: DUARTE, Júlio; REVERBEL, Carlos (Org.).
Crônicas JotaBe. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1964. p. 19-21.
Luiz Mendes, o homem do “golaço”
2013
Gustavo Monteiro Chagas
Estudante de Jornalismo (UFRGS)

Golaço, expressão unânime para definir um belo gol no futebol. Seja no Norte ou no Sul do país, do melhor ou do pior jogador, um gol bonito é, simplesmente, um golaço. E é devido a Luiz Mendes. O radialista gaúcho fez história no Rio de Janeiro e criou (ou importou) a expressão que até hoje é usada pelos torcedores. Nos seus quase 70 anos de carreira no rádio, Mendes imortalizou bordões – como “minha gente”, ao chamar os ouvintes – e criou o “Folha-seca”, apelido do jogador Didi. Mais marcante, sem dúvida, pela popularidade que alcançou, foi a importação do golazo dos narradores castelhanos que ele ouvia na infância. Mendes usou a expressão pela primeira vez na sua estreia como principal narrador da Globo, em um jogo entre Fluminense e Bonsucesso. Assim nascia o “golaço” nosso de cada final de semana de futebol.

Luiz Mendes (24 de maio de 2011)
Fonte: Acervo particular de Roger Bell.

Nascido em Palmeira das Missões, no Noroeste do Rio Grande do Sul, em 6 de junho de 1924, Luiz Mendes tinha um destino quase certo. Seria no futebol (contra a vontade do pai) ou no rádio. Logo, com dez anos de idade, inclinou-se para o primeiro, atuando como árbitro em partidas entre clubes de Carazinho. Quando sua família foi morar em Ijuí, jogou no clube da cidade, o São Luiz. Na adolescência, dividia o tempo do esporte com o serviço no jornal Correio Serrano e, depois, no jornal Alerta, fundado por ele mesmo. Mas foi por um acaso que Luiz seguiu para o meio de seus sonhos. Ouvindo uma conversa entre dois senhores, descobriu que seria lançado um sistema de alto-falantes em postes em Ijuí. Ofereceu-se para ser locutor e ganhou o emprego. Três meses depois despertou atenção do dono de uma estação de rádio da cidade de Santo Ângelo, a Rádio Missioneira. Lá, trabalhou como locutor de anúncios comerciais e ainda organizava os discos que fariam parte da programação da emissora. Nascia, assim, um dos principais profissionais do rádio brasileiro.

Aos 18 anos, Luiz veio para Porto Alegre. Chegou e logo descobriu um anúncio da Rádio Farroupilha, convocando locutores esportivos para um teste. Observado por Heron Domingues, Manoel Braga Gastal e Walter Ferreira, o teste do jovem seria o que ele já havia feito muitas vezes na infância: simular a narração de um jogo, um Grenal. Com medo de narrar um gol e desagradar aos ilustres observadores (e suas paixões clubísticas), Mendes enrolou até ouvir um pedido: um gol de Tesourinha, craque do Internacional na época. Como Walter, Manoel e Heron eram todos torcedores do clube, o pedido foi o que bastou para Luiz gritar um gol colorado.

Efetivado na emissora de Porto Alegre, Luiz Mendes ganhou, dos ouvintes, o apelido “Menino de ouro”, tamanha sua popularidade. Entre os colegas, virou o “Craque da palavra”. Em 1944, há meses sem receber pelos serviços prestados à Farroupilha, Luiz foi enviado para cobrir um jogo em São Paulo. De lá, partiu para o Rio de Janeiro, decidido a não voltar ao Rio Grande do Sul.

Na então capital do país, Luiz procurou emprego na Rádio Nacional, a mais popular da época. Não conseguiu por ainda carregar na fala o “erre” tradicional dos gaúchos do interior. Resolveu, então, procurar uma vaga em uma rádio que ainda não existia. A Rádio Globo seria inaugurada no dia seguinte e Luiz decidiu se apresentar aos diretores da emissora. Com o antecedente de ter trabalhado na Farroupilha, uma das principais emissoras do país, foi contratado imediatamente. Lá, começou como locutor comercial e apresentador. Em 1947, assumiu a titularidade na narração esportiva da emissora, após uma proposta de Roberto Marinho. Luiz seguiu na Globo por décadas, fazendo um pequeno intervalo nos anos 1990, quando integrou o time da Rádio Tupi do Rio de Janeiro, acabando, anos depois, voltando a sua casa. Habilidoso com as palavras, deixou de ser o “Craque”, em Porto Alegre, para virar o “Comentarista da palavra fácil”, no Rio.

Capa do livro Minha gente – Luiz Mendes, o mestre da crônica esportiva do Brasil (2010)

O narrador e comentarista esportivo foi casado com a atriz, radialista e política Daisy Lucidi. Botafoguense e gremista, cobriu 13 copas do mundo. Em 2010, a escritora Ana Maria Pires lançou o livro Minha gente – Luiz Mendes, o mestre da crônica esportiva do Brasil, com relatos e comentários do próprio jornalista. Luiz Mendes faleceu em 2011, aos 87 anos.
Luiz Mendes e o velho Carruíra: uma história familiar
2013
Luiz Artur Ferraretto

Carruíra, na Zona Sul do estado, é o nome dado ao passarinho de bico relativamente grande que, em outras regiões, chamam de corruíra. Como apelido, identificou meu tio João Baptista Ferrareto, assim mesmo com um “T” a menos por erro de um escrivão qualquer na hora em que meu avô foi registrá-lo no cartório em Rio Grande. Na década de 1930, Carruíra – o meu tio João – jogou no Sport Club Rio Grande e no Football Club Rio-grandense, sagrando-se campeão do estado por um e por outro. Eu, guri metido, tinha certa desconfiança em relação ao papo do velho, bom contador de estórias e de histórias, com dose significativa de malícia e sacanagem. Em especial, cresci com um daqueles causos soando como lenda. Lenda ampliada pelo meu primo Alberto. Cada vez que passava uns dias na minha casa, em Rio Grande, ele insistia: havia ouvido na Rádio Globo, lá do Rio de Janeiro, “aquela história”. Eu, de fato, duvidava. Primeiro, porque não conseguia acreditar, mesmo que, à noite, na possibilidade da emissora carioca ser captada em Santa Maria, lá onde meu primo morava, na região central do Rio Grande do Sul. Segundo, porque “aquela história” era das mais improváveis e absurdas. Só podia ser algum tipo de lorota, das sem consequências, mas lorota. Na certa. Parecia coisa de um Peregrino Fernández, personagem cheio de trampas do escritor e jornalista argentino Osvaldo Soriano. Mas eu só leria as peripécias desse craque imaginário anos depois.

Pois “aquela história” só iria soar verdadeira mesmo na noite de 23 de maio de 2011. No início da tarde, a professora Sandra de Deus, minha colega na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, convidou-me para a palestra que o comentarista Luiz Mendes, da Rádio Globo, daria na especialização por ela coordenada em Jornalismo Esportivo. E não é que era ele o tal jornalista a contar “aquela história” ao microfone da Globo. O áudio da palestra, cedido pelo jornalista e ex-aluno meu dos tempos da Universidade Luterana do Brasil, Roger Bell, confirma o meu espanto... Ah, e se você quer saber qual é “aquela história”, quem sou eu para contá-la no lugar de Luiz Mendes. De quebra, uma dedicatória na biografia do Luiz Mendes escrita por Ana Maria Pires, livro que, aliás, recomendo a quem se interessa por rádio e por futebol.


Luiz Mendes (24 de maio de 2011)
Fonte: Acervo particular de Roger Bell.


Fonte: Acervo particular.
O Repórter Esso e a Segunda Guerra Mundial
2005
Luiz Artur Ferraretto

Anúncio da estreia do Repórter Esso na Rádio Farroupilha (julho de 1942)
Fonte: Correio do Povo, Porto Alegre, 16 jul. 1942. p. 7.

No contexto da Segunda Guerra Mundial, o Rio Grande do Sul ganha em 16 de julho de 1942, na PRH-2 – Rádio Farroupilha, de Porto Alegre, uma edição local do Repórter Esso, espécie de porta-voz da Política de Boa Vizinhança do governo de Franklin Delano Roosevelt ao difundir a perspectiva dos Estados Unidos a respeito do conflito. Do ponto de vista político, o informativo produzido pela agência de notícias United Press chega, também, pelos potentes transmissores da emissora a Santa Catarina. Nos dois estados, concentram-se na época três quartos da população de origem germânica residente no país. Não por coincidência, o Office of the Coordinator of Inter-American Affairs, órgão gestor desta aproximação estadunidense com o restante dos países americanos, tem no seu comando o milionário Nelson Aldrich Rockefeller, cuja família controla a Standard Oil Company of Brazil, mais tarde Esso Brasileira de Petróleo.

Ruy Figueira, o primeiro Repórter Esso do Rio Grande do Sul (1937)
Fonte: Revista do Rádio, Porto Alegre, ano 1, n. 4, set. 1937. p. 18.

Um dos tantos noticiários com esta denominação e propósito que surgem de Norte a Sul do continente, a versão gaúcha é marcada pelas vozes de seus locutores. De início, Ruy Figueira traz ao ouvinte da Região Sul, em especial, as notícias sobre as batalhas entre as forças dos Aliados e dos países do Eixo. Além de ler o Esso, a este profissional cabe acrescentar as notícias locais, já que as informações do país e do mundo vêm prontas, por via telegráfica, do Rio de Janeiro. Na época, o combate ao totalitarismo direitista do Eixo e a atuação da Força Expedicionária Brasileira catalisam as atenções do público em textos como este, de uma reconstituição realizada pelo primeiro Repórter Esso do Rio Grande do Sul, em 1975, para uma edição especial do programa Opinião Pública da então Rádio Difusora Porto-alegrense:

– Alô, amigos, muito bom dia. Aqui fala o Repórter Esso, testemunha ocular da história, com os mais recentes telegramas da United Press. Rio – O Brasil entra na guerra. Depois da série de criminosos atentados a sua soberania, desfechados pelas forças submarinas da pirataria eixista, a maior nação sul-americana, pela decidida vontade de seu povo, declara guerra à Alemanha nazista e à Itália fascista. Grandes demonstrações populares antecederam e sucederam a atitude com que o bravo país de Caxias e Tamandaré revida as afrontas dos inimigos da liberdade e da independência dos povos. Grande repercussão mundial cerca a decisão do Brasil. O exército, a marinha e as forças aéreas brasileiras declaram-se decididos para a luta.

A linguagem, de início, ainda é empolada, mas vai adquirindo objetividade com mais concisão e sem firulas pretensamente estilísticas, dando a base – ideologias à parte – para as sínteses noticiosas comuns no Rio Grande do Sul nas décadas seguintes.

Ruy Figueira revive o noticiário Repórter Esso (1977)
Entrevista realizada por José Antônio Daudt para o programa Opinião Pública, da Rádio Difusora Porto-alegrense, transmitido em 26 de setembro de 1977.
Fonte: Acervo do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa.
Heron Domingues, o gaúcho do Repórter Esso, da Rádio Nacional
2013
Luiz Artur Ferraretto

Heron Domingues (1957)
Fonte: Álbum do Rádio, Rio de Janeiro, n. 8, p. 114, 1957.

A voz soava inconfundível ao microfone da Rádio Nacional, do Rio de Janeiro, conferindo credibilidade às notícias que se sucediam nos cinco minutos seguintes:

– Aqui fala o Repórter Esso – frase que antecedia um dos vários textos padronizados criados pela agência McCann-Erikson para o noticiário patrocinado pela Standard Oil Company of Brazil.

A “testemunha ocular da história”, epíteto mais tradicional do noticiário, iria se confundir, durante décadas, com este profissional nascido em São Gabriel, a 320 km de Porto Alegre. Heron Domingues começou a carreira de forma totalmente improvisada, mas, nem por isto, destituída de brilho. Participando de um concurso de calouros na Rádio Gaúcha, acabou, na ausência de um locutor, por anunciar o ataque japonês a Pearl Harbor. Naquele 7 de dezembro de 1941 começou a carreira que terminaria também bem próxima a outro fato histórico, a renúncia do presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon. Horas depois de noticiá-la, no final de noite da Rede Globo de Televisão, em 9 de agosto de 1974, Heron sofreu fulminante ataque cardíaco. Licença poética do destino, foi um fecho eloquente na trajetória do dedicadíssimo profissional.

Escolhido para o Esso em 1944, Domingues chegou a quase morar na redação da Nacional, no ano seguinte, dormindo em uma cama de campanha, para não perder a oportunidade de dar, em primeira mão, o fim da Segunda Guerra. Naquela vez, o destino, no entanto, demonstrou-se implacável. O Repórter Esso acabou furado pela concorrência. Dependendo da United Press, que acatara uma espécie de acordo com os Aliados,  segurou involuntariamente a notícia, enquanto outros informativos – os que eram abastecidos pela Associated Press – divulgavam o fim do conflito mundo afora.

Independentemente destes pequenos percalços, Heron Domingues fazia valer, em cada notícia, uma espécie de norma pessoal. Narrava o fato como se estivesse em uma trincheira. E deixou lições para as gerações de profissionais que vieram depois. Aliás, exemplo disto é o chamado Manual Sonoro, que fez questão de gravar, orientando os demais locutores do Esso.

Manual Sonoro do Repórter Esso (anos 1950)
Material de orientação gravado por Heron Domingues.
Fonte: KLÖCKNER, Luciano (Org.). O Repórter Esso – A síntese radiofônica mundial que fez história. 2.ed.
Porto Alegre: AGE/ Editora da PUCRS, 2011. CD.
Nestor José Gollo, pioneiro do rádio caxiense
2013
Marcell Bocchese
Professor do Centro de Comunicação da Universidade de Caxias do Sul

O protagonismo empresarial da comunicação pelas ondas do rádio em Caxias do Sul é dividido entre grandes personagens. Pessoas que, na segunda metade dos anos 1940, já vislumbravam, em terras serranas, um futuro para o veículo de comunicação mais importante das primeiras décadas do século 20. O rádio, à época, já era um meio de comunicação consolidado nos grandes centros do país. Graças aos esforços de empreendedores como Arnaldo Ballvé (pioneiro também da radiodifusão em outras cidades do interior do estado), Joaquim Pedro Lisboa e Luiz Napolitano, Caxias do Sul já possuía, aos primeiros meses de 1946, uma emissora de rádio, a Rádio Caxias do Sul. Ballvé, Lisboa e Napolitano proporcionavam, assim, condições para que, com muito talento e dedicação, diversos personagens emergentes do rádio pudessem ser ouvidos. Vozeirões que eram irradiados pelo transmissor da pioneira ZYF-3, instalado aos fundos do prédio do Recreio Guarany, na avenida Júlio de Castilhos, 987. Um desses talentos era Nestor José Gollo.

Passados os primeiros meses de atividades no ar, a Rádio Caxias do Sul já necessitava de mais profissionais. Assim, no princípio de agosto de 1946, Nestor Domingos Rizzo, um dos gerentes da emissora, realiza um concurso para angariar novos talentos do microfone. Aprovado por unanimidade entre uns 90 candidatos do Concurso Novas Vozes, o jovem Nestor Gollo, que já atuara nos serviços de alto-falantes da então praça Ruy Barbosa (origem da pioneira ZYF-3), dá início oficialmente a sua carreira que, no futuro, muito contribuirá para o jornalismo caxiense.

Entre ruídos e interferências, baixa qualidade típica das primeiras transmissões de pequenas emissoras de rádio da época, muitos lares de Caxias do Sul passam a sintonizar uma das mais importantes vozes do rádio do interior do Rio Grande do Sul. Gollo, aos 19 anos, dá o pontapé inicial do rádio esportivo na Serra gaúcha, ao criar o Esportes na Onda, no ar desde o final de 1946 e, portanto, o programa mais antigo do gênero no Rio Grande do Sul. Um gol de placa. Formador de opinião e agitador do esporte local, Gollo permaneceu por cerca de uma década à frente do programa, onde dividia o microfone com outra lenda do radiojornalismo caxiense, Dante Baptista Andreis. Foram emblemáticas para o rádio de Caxias do Sul as narrações ao vivo feitas por Gollo do estádio dos Eucaliptos, na capital Porto Alegre, de partidas da Copa do Mundo de 1950. Era o mundo esportivo da cidade, do estado e do país – com grande destaque ao futebol profissional e amador caxiense –, que estava no ar pelas ondas da Rádio Caxias.

Gollo era audiência certa, tanto nas jornadas esportivas, quanto nos momentos de reflexão proporcionados pelo programa Ave Maria, pontualmente irradiado às seis da tarde. Caxias do Sul, cidade de imigração italiana e de presença forte da Igreja Católica, parava em frente do aparelho de rádio que reinava, então, absoluto na maioria das casas e estabelecimentos da cidade.

Nestor Gollo (1952)
Fonte: RODRIGUES, Jimmy. A voz e a palavra: o fluir da vida sob o olhar do cronista. Caxias do Sul: Belas Letras, 2008. p. 228.


Nestor José Gollo lê anúncio para dedicatórias (anos 1940)
Fonte: Acervo da Rádio Caxias.
Dante Andreis e o Esportes na Onda da Rádio Caxias
2013
Marcell Bocchese
Professor do Centro de Comunicação da Universidade de Caxias do Sul

Dante Andreis (1951)
Fonte: SISTEMA TRÍDIO DE COMUNICAÇÃO. Rádio Caxias 50 anos. Caxias do Sul: Editora da UCS, 1996. p. 53.

Sem dúvida, a segunda metade da década de 1940 foi pródiga para Caxias do Sul. As boas notícias não se resumiam às provenientes do final da Segunda Guerra Mundial, que terminara um ano antes. Elas se referiam, também, ao surgimento da primeira emissora da região, a Rádio Caxias; à entrada no ar, em 1946, do Esportes na Onda, que chegaria ao século 21, firmando-se como o mais antigo programa do rádio esportivo do estado; e ao início de carreira daquele que se tornou o mais popular radialista da cidade, Dante Baptista Andreis. Três manchetes para a história da radiofonia caxiense.

Tinha 15 anos o então menino esguio que amava esportes, sobretudo o futebol, e que, como todo apaixonado pelo que faz, era o garoto mais informado sobre esporte amador da cidade, época em que o profissionalismo – principalmente, no futebol – ainda engatinhava, sonhava ser grande. Justamente a sua paixão pelo esporte fez com que Andreis pudesse ouvir, pelos então 250 watts da Rádio Caxias, textos seus lidos pelo jornalista Nestor José Gollo, criador do programa Esportes na Onda, palco de atuação de Dante. É de se imaginar o orgulho do jovem em ouvir o resultado de sua labuta na coleta dos placares dos jogos amadores da cidade e, principalmente, saber que seu trabalho estava indo ao ar juntamente com o de expoentes do radiojornalismo da cidade, como Jimmy Rodrigues, Osvaldo de Assis, Ernani Falcão, Nestor Rizzo, Mário Ramos e Vilson Marchioro, apenas para citar alguns nomes.

O Esportes na Onda foi o grande incentivador do esporte da região, não dedicando sua atenção apenas ao futebol, mas a todos os esportes praticados na época. O programa, a partir do Departamento de Esportes da emissora, ajudava o esporte local, organizando e promovendo, por exemplo, campeonatos de futebol, corridas de automóveis e até mesmo olimpíadas na cidade. Prova da importância do programa é que seu aniversário era marcado com eventos como a Parada dos Esportes, que agitava o esporte na cidade.
As opiniões finais do cronista e comentarista Dante Andreis no Esportes na Onda ficaram marcadas como o ponto alto do programa. A sua linguagem, simples, coloquial e direta – características típicas da linguagem do rádio e do estilo da crônica, portanto –, atingia os mais diversos públicos, expondo sua opinião por vezes contundente, falando sempre o que pensava no espaço Bola na Rede, título do comentário radiofônico, que aludia à frase do mais famoso bordão do radiojornalismo caxiense: "futebol é bola na rede", genial criação de Dante.

Sua vida foi dedicada ao radiojornalismo esportivo, onde defendia, de forma tenaz, o esporte local. Apesar de torcedor declarado do Esporte Clube Juventude, Dante também defendeu os interesses da Sociedade Recreativa e Esportiva Caixas do Sul. Era adorado, portanto, adorado por torcedores de um e de outro clube. Foi o último, e talvez o único, a unir duas torcidas em um momento ímpar de reverência logo após a sua morte. Em um estádio lotado, em plena disputa do clássico Ca-Ju, teve seu nome gritado por um coro composto por milhares de vozes de paixões opostas, mas com um mesmo intuito: homenagear o Bolão, como era conhecido Dante Baptista Andreis, até hoje o cronista esportivo mais autêntico da cidade.
Hoje, por força do destino, Dante já não mais é ouvido pelas ondas da Rádio Caxias, mas o Esportes na Onda, desde 1946, segue sendo palco de atuação de diversos jornalistas esportivos da cidade, valorizando e divulgando o esporte local, principalmente o futebol, que segue vivo e atuante na Caxias do Sul do século 21.

Dante Andreis explica como começou a trabalhar no Esportes na Onda

Dante Andreis conta como foi criado o mais famoso bordão do jornalismo esportivo caxiense
Trechos do documentário Futebol é bola na rede – A história de Dante Andreis (2008)
Produção dos alunos de Radiojornalismo 3 do curso de Jornalismo da Universidade de Caxias do Sul.
Locução: Marcelo Andrighetti e Naihobi Steinmetz
Produção: Camila Boff, Daniel Rodrigues, Marcelo Andrighetti, Marcelo Passarella e Naihobi Steinmetz.
Gravações originais do acervo da Rádio Caxias.
Pós-produção e edição final: Marcell Bocchese.
Professor responsável: Luiz Artur Ferraretto.
Gravado no Centro de Teledifusão Educativa da Universidade de Caxias do Sul, Rio Grande do Sul.
Fonte: Acervo particular.

Dante Andreis (1986)
O radialista relembra, no Esportes na Onda, vários momentos do rádio esportivo caixense, apresentando transmissões da Caxias das décadas de 1950 e 1960. O trecho de Nestor José Gollo narrando o jogo México e Suíça pela Copa do Mundo de 1950 é um dos únicos registros radiofônicos de emissoras do Rio Grande do Sul existentes daquele campeonato mundial de futebol.
Fonte: Acervo da Rádio Caxias.
O comentário de Jimmy Rodrigues
2013
Marcell Bocchese
Professor do Centro de Comunicação da Universidade de Caxias do Sul

Jimmy Rodrigues
Fonte: RODRIGUES, Jimmy. A voz e a palavra: o fluir da vida sob o olhar do cronista.
Caxias do Sul: Belas Letras, 2008. p. 121.


Jimmy Rodrigues homenageia Joaquim Pedro Lisboa (1948)
Fonte: Acervo da Rádio Caxias.

Era adolescente o jovem que trabalhava em um cartório da cidade, mas já se imaginava longe das burocracias que envolviam a profissão. Pensava se fazer presente no cenário mágico do rádio, um veículo que reinava soberano em todo o país, mas ainda um rebento na Caxias do Sul da década de 1940. Antes mesmo da inauguração da primeira emissora de rádio da cidade, a ZYF-3 – Rádio Caxias do Sul, Jimmy Rodrigues já flertava com a então novidade da cidade: um serviço de emissão de informação e entretenimento via alto-falantes, – embrião do que seria a futura primeira emissora da cidade e região –, instalado na Praça Dante Alighieri (na época, chamada Praça Rui Barbosa).

A época era a dos vozeirões do rádio: só falava ao microfone quem possuía, por capricho da natureza, aquela voz impostada, grave e timbrada, que competia com as péssimas condições técnicas de emissão das ondas hertzianas dos primórdios do rádio. Mas o jovem Jimmy Rodrigues não possuía tal dom. Sua autocrítica, inclusive, era cruel, direta. Anos depois, profissional consagrado, lembraria no livro A Voz e a Palavra: "a minha era uma legítima ‘voz de taquara rachada'". Nada, porém, impediria que o então jovem desistisse de seu sonho. Depois de ser reprovado em um teste para speaker do serviço de alto-falantes existente na praça, Jimmy veio a ter sua primeira experiência como locutor nos clubes e nas festas de igreja da cidade.

A porta de entrada no cenário do radiojornalismo caxiense não seria mesmo a voz, mas sim o texto. Hábil e eficaz no uso das palavras, Jimmy – a convite de Ernani Falcão, um dos primeiros locutores da Rádio Caxias –começa a atuar como redator já no início das atividades da emissora, no ano de 1946.

Desde que entrou para o cenário do rádio caxiense, Jimmy sempre foi um dos principais protagonistas. Na emissora, o jornalista e radialista é responsável, por exemplo, pela redação dos primeiros textos da emissora, lidos pelo mesmo Ernani Falcão, e pela redação das notícias do radiojornal pioneiro na história da cidade, o Grande Jornal Falado F-3, hoje Jornal Formolo.

Comentarista nato, como excelente formador de opinião, seus textos puderam ser ouvidos pelas ondas do rádio desde as primeiras transmissões de partidas de futebol. Também atuou como uma espécie de faz tudo: repórter, apresentador, animador de programas, redator de textos publicitários, comediante, redator de radionovelas e ator.

Em meados de 1970, acometido de um câncer na garganta, foi forçado a deixar de realizar locuções. Mesmo assim, não se calou. Sua opinião seguiu sendo veiculada, tanto na Rádio Caxias, como na Rádio São Francisco, a partir da voz de outros importantes jornalistas da cidade, como o filho Paulo Rodrigues.
Ao longo de sua carreira, Jimmy teve importante atuação também no cenário do jornalismo impresso de Caxias do Sul. Trabalhou em jornais da região como Correio Riograndense, Pioneiro, Jornal de Caxias e Folha de Hoje, além de escrever para a Jornal do Comércio e a Última Hora, de Porto Alegre.

Cronista de Caxias do Sul, o estilo satírico-humorístico do texto de Jimmy Rodrigues marcou época, tanto nas ondas do rádio, quanto nas letras dos jornais. Estilo que o Rio Grande do Sul perdeu no dia 9 de junho de 2013, quando faleceu vítima de insuficiência respiratória aguda. Cala-se a voz que, por décadas, ecoou pelas ondas do rádio nos lares caxienses. Foram quase 70 anos de serviço ao jornalismo, que agora perde uma de suas figuras mais expressivas. Aos 87 anos, Jimmy parte, e já deixa saudade.



Trechos do documentário A voz que não se cala – A história de Jimmy Rodrigues (2009)
Produção dos alunos de Radiojornalismo 3 do curso de Jornalismo da Universidade de Caxias do Sul.
Locução: Jeferson Ageitos e Lilian Ferrari.
Produção: Bárbara Lipp, Jeferson Ageitos, Juliana Wilbert, Lilian Ferrari e Rafael Poletto.
Participação especial: Everton Pradella
Gravações originais do acervo da Rádio Caxias.
Edição: Rafael Poletto
Pós-produção: Marcell Bocchese
Professor Responsável: Luiz Artur Ferraretto
Gravado no Centro de Teledifusão Educativa da Universidade de Caxias do Sul, Rio Grande do Sul.
Fonte: Acervo particular.
O impacto do suicídio de Getúlio Vargas no rádio do Rio Grande do Sul
2013
Luiz Artur Ferraretto

Incêndio do prédio da Rádio Farroupilha (24 de agosto de 1954)
Fonte: Manchete, Rio de Janeiro, ano 3, n. 124, p. 10, 4 set. 1954.

Durante muitos anos, o então locutor em início de carreira Enio Rockembach vai lembrar-se daquela cena da manhã do dia 24 de agosto de 1954. Pesados discos de acetato – os bolachões com músicas e programas da Rádio Farroupilha – sendo jogados do casarão da emissora, nos altos do viaduto Otávio Rocha, ganhando os ares sobre o cruzamento das avenidas Duque de Caxias e Borges de Medeiros para despedaçarem a história da principal estação do Rio Grande do Sul. Como a Farroupilha, que se estima tivesse a maior audiência na época, concentrou tanta fúria da população após o suicídio do presidente da República, Getúlio Vargas? Para responder esta pergunta, é preciso compreender a relação entre política e radiodifusão e, como consequência desta, analisar as posições manifestadas por alguns profissionais.
De fato, a defesa intransigente do grande capital e da presença do investimento estrangeiro, além de um feroz anticomunismo, marcam a trajetória de Assis Chateaubriand, o todo-poderoso proprietário dos Diários e Emissoras Associados. No plano partidário, opiniões semelhantes são compartilhadas, na época, pela União Democrática Nacional (UDN), pelo Partido Libertador (PL) e mesmo por setores do Partido Social Democrático (PSD), uma das bases de sustentação do governo federal. A política de Vargas, em sentido contrário, trilha o caminho do nacionalismo e do estatismo, com o apoio, em especial, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

Ex-advogado de grandes grupos estrangeiros como a Brazilian Traction Light and Power Company Limited e a Itabira Iron Ore Company Limited, Chatô vê no capital externo um incentivo ao desenvolvimento do país, tendo, por exemplo, realizado campanha, no final dos anos 1920, para que a Ford se instalasse na Amazônia e explorasse, em larga escala, a borracha produzida a partir do látex extraído dos seringais. Anticomunista, em 1935 defende em seus jornais o fechamento da Aliança Nacional Libertadora (ALN), a coalizão que pretendia lutar contra o fascismo, o imperialismo, o latifúndio e a pobreza.

Sob esta orientação devem ser entendidas várias das posições difundidas pelos Associados naquele mês de agosto de 1954, no Rio Grande do Sul. Um ano antes, fora do controle direto da empresa, mas patrocinado pela Standard Oil Company of Brazil e com notícias da United Press, a edição do Repórter Esso, veiculada pela Rádio Farroupilha, ignora, por exemplo, o grande debate nacional que levaria à criação da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras), em outubro de 1953. Em paralelo, Chateaubriand, em seus artigos, argumenta, então, que o lema “O petróleo é nosso” não passa de “um chavão soviético” e as teses nacionalistas sobre a exploração dos recursos minerais do país são “coisa de comunistas”.

Outras medidas protecionistas do governo contra o capital estrangeiro, igualmente, motivam críticas da oposição e ganham espaço nos veículos do Associados. Em janeiro de 1952, Vargas impõe um limite de 10% para a remessa de lucros das empresas estrangeiras. No ano anterior, com a taxa de câmbio brasileira supervalorizada, a quantia enviada às matrizes destas companhias saltara de US$ 83 milhões para US$ 137 milhões. Se estas medidas de cunho nacionalista irritam o grande capital internacional, o mesmo acontece com sua contraparte local. O empresariado brasileiro mobiliza-se, por exemplo, contra o reajuste de 100% no valor do salário mínimo, anunciado pelo presidente da República em 1° de maio de 1954.

O engajamento de Chateaubriand cresce quando Carlos Lacerda, proprietário do jornal Tribuna de Imprensa, do Rio de Janeiro, começa uma verdadeira guerra de denúncias. O primeiro alvo é o diário Última Hora, de Samuel Wainer, alinhado com o governo e criado com base em empréstimo junto ao Banco do Brasil. O proprietário dos Associados abre o microfone e as câmeras das TVs Tupi, do Rio de Janeiro e de São Paulo, para os cáusticos comentários do jornalista, que relaciona Wainer a Vargas, denunciando um esquema de corrupção a partir do Palácio do Catete. Com o atentado da rua Toneleros, em que o major Rubens Florentino Vaz, um guarda-costas de Lacerda, é morto, acirra-se a crise que levará ao suicídio do presidente da República.

Sem a veemência de Carlos Lacerda, que beira, por vezes, a deselegância, e conquistando o respeito, inclusive, de seus adversários, o advogado e jornalista Manoel Braga Gastal redige diariamente, em Porto Alegre, fortes críticas ao governo federal, veiculadas no comentário Dois Dedos de Prosa, às 12h45, na Rádio Farroupilha. Admirador do parlamentarista Raul Pilla, que havia fundado o Partido Libertador, Gastal exerce, naquele momento, um mandato como vereador pelo PL em Porto Alegre. Lidos pelo próprio radialista ou por um locutor, os textos seguem à risca a orientação partidária. Defendem um Estado que, no campo econômico, orientaria, estimularia e assistiria a produção, interferindo somente quando necessário ao bem comum e não concorrendo com a iniciativa privada. Nesta linha, o capital estrangeiro deveria receber o mesmo tratamento legal, fiscal e administrativo dispensado ao capital nacional.

Neste 24 de agosto de 1954, a indignação dos partidários do presidente vai crescer porque a Farroupilha, ao contrário de suas concorrentes, mantém a sua programação normal. Enquanto os getulistas choram o suicídio do presidente, a emissora dos Associados segue com as músicas e a radionovela da manhã, interrompidas, vez por outra, por alguma edição noticiosa extraordinária.

Mesmo assim, aquela madrugada tinha sido de muito trabalho para Segundo Brasileiro Reis, do Departamento de Notícias da PRH-2. Conforme o jornalista, por volta das 3h, o diretor-geral dos Diários Associados no Rio Grande do Sul, Moacir Nobre, entra porta adentro da casa do jornalista, dizendo:

– Vamos colocar a Farroupilha no ar. A coisa está preta no Rio de Janeiro.

Na sequência, a emissora, que interrompia suas transmissões à meia-noite, volta ao ar com o próprio Moacir Nobre assumindo o controle das operações técnicas, enquanto Reis faz a escuta das rádios do Rio de Janeiro. Com a informação de que Getúlio Vargas vai se licenciar do cargo, os trabalhos são interrompidos às 5h. Um pouco depois, o telegrafista responsável pela decodificação do material da United Press para a edição local do Repórter Esso recebe uma mensagem:

– Preveem-se, para o dia de hoje, acontecimentos extraordinários na capital da República. Alertamos os companheiros para que fiquem atentos ao que pode acontecer.

O boletim lido por Lauro Hagemann às 8h não traz, no entanto, informações mais importantes do que as da madrugada. Pouco depois, a escuta da emissora capta uma edição extraordinária do Esso, da Rádio Nacional, do Rio de Janeiro, com um Heron Domingues de voz embargada ao microfone:

– E atenção, atenção. Rio, urgente. O presidente Getúlio Vargas acaba de suicidar-se com um tiro no coração. Junto ao seu corpo foi encontrado um bilhete: “À sanha dos meus inimigos, deixo o legado da minha morte”. E atenção que vamos repetir a notícia...

Lauro Hagemann
Entrevista realizada por Luiz Artur Ferraretto em 3 de agosto de 1999.

Como lembraria anos depois o jornalista Flávio Alcaraz Gomes, na praça da Alfândega e na rua da Praia, pontos tradicionais do centro de Porto Alegre, as pessoas começam a gritar:

– Mataram o doutor Getúlio. Foram eles! Vamos incendiar o Diário de Notícias e a Rádio Farroupilha.

Mesmo já tendo dado a notícia, a PRH-2 continua com sua programação normal, majoritariamente dedicada ao entretenimento. A Gaúcha, por sua vez, “única emissora que imediatamente guardou luto pela morte de Getúlio Vargas”, altera sua programação e passa a transmitir música erudita, junto com a frequente repetição do texto da carta-testamento.

Por volta das 9h, um primeiro grupo de manifestantes tenta invadir o casarão onde funcionam a Difusora, no segundo andar, e a Farroupilha, no primeiro, mas é rechaçado. Móveis amontoam-se nas portas de acesso, como barricadas, a impedir o acesso dos getulistas. Para os lados da rua da Praia, as sedes dos partidos de oposição já ardem em chamas. Bem em frente à praça da Alfândega, o fogo consome o prédio do Diário de Notícias.

O elenco de radioteatro está pronto para iniciar a interpretação de mais um capítulo da novela das 10h, quando a multidão consegue, em uma segunda arremetida, invadir o prédio nos altos do viaduto Otávio Rocha. Vão entrando com galões de gasolina, logo utilizada para incendiar as instalações. Os funcionários conseguem escapar pelos fundos da velha casa. Um deles sai ferido no incidente, como vai registrar a Revista do Globo:

O radialista Gerson Borges, preso no interior do prédio ardente, fraturou a espinha numa dramática fuga das chamas. Atirou-se do segundo andar.
Também as instalações da Difusora e o auditório da Farroupilha na rua Siqueira Campos são atingidos pelo vandalismo. Ao final da tarde, da infraestrutura dos Diários e Emissoras Associados, na capital gaúcha, sobram apenas os transmissores das duas rádios, localizados a distância considerável do centro. A Farroupilha fica fora do ar por quase duas semanas. Do seu acervo, perdem-se para sempre 20 mil discos, gravações inéditas e 30 novelas completas. Na sequência, as dificuldades econômicas crescem e o pagamento dos salários na forma de vales intensifica-se até se tornar constante no dia a dia dos funcionários de Assis Chateaubriand.

Flávio Alcaraz Gomes (2005)
Fonte: FERRARETTO, Luiz Artur. Itinerários de um repórter.
In: GOMES, Flávio Alcaraz. Eu Vi!. Porto Alegre. Publicato, 2006. DVD.

Em Porto Alegre, no total, o quebra-quebra atinge 40 prédios, com prejuízos estimados em Cr$ 100 milhões, segundo o deputado estadual do Partido Libertador, Mem de Sá. Os Associados, no entanto, pleiteiam para si uma indenização de Cr$ 120 milhões. A diferença de valores explica-se pela própria lógica aproveitadora de Chateaubriand, uma característica do seu perfil de capitão de indústria.

Na realidade, o impacto sobre a principal emissora de rádio do Rio Grande do Sul só não é maior, porque, sem o favorecimento governamental, começam a minguar as atrações da Gaúcha, que mergulha em dificuldades financeiras. A Farroupilha, no entanto, sofre sem o amparo do Diário de Notícias, que, no processo, além de parar de circular durante um período significativo, também perde credibilidade. Portanto, os dados disponíveis indicam certa retração no mercado de radiodifusão em Porto Alegre a partir de agosto de 1954.

Este quadro altera-se somente em 1957. De um lado, a Farroupilha vinha se recuperando, apostando, além das novelas e dos humorísticos, em programas de auditório de forte apelo popular. De outro, naquele ano, a Gaúcha passa ao controle de um grupo liderado por Arnaldo Ballvé, dono de várias estações de rádio no interior – as Emissoras Reunidas. Entre os seus sócios no empreendimento, está o principal animador de programas de auditório da época, Maurício Sirotsky Sobrinho, que desfalca o elenco dos Associados. Ocorrem, então, novos investimentos, impondo, no campo do espetáculo, dura concorrência à Farroupilha. Em paralelo, é inaugurada a Rádio Guaíba, da família Caldas, proprietária do principal diário do estado, o Correio do Povo. Então, a instalação – prevista para breve – de emissoras de TV no Rio Grande do Sul já começa a indicar o fim do espetáculo radiofônico e a necessidade de serem buscados novos caminhos para o veículo no Rio Grande do Sul.