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Os 85 anos do rádio no Rio Grande do Sul
2009
Luiz Artur Ferraretto

Está ali, publicado no dia 8 de setembro de 1924, na página 5 do jornal A Federação, órgão máximo do Partido Republicano Rio-grandense, para que ninguém discorde no futuro. É, 85 anos depois, um fato histórico. E, infelizmente, pouco lembrado. Mas, no papel amarelado pelo tempo com letras de tipografia, impressão apagada pelo descaso na preservação dos documentos e da história, está ali uma quase certidão de nascimento do rádio no Rio Grande do Sul. Sob a guarda do Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa. Na véspera, às nove horas da noite, informa o texto, “num dos salões da Vila Diamela, gentilmente cedido pelo senhor coronel Juan Ganzo Fernandez, a novel Rádio Sociedade Rio-grandense foi fundada por amadores residentes nesta capital”.

Em nome da pioneira associação de radiófilos, sem-filistas ou amantes da radiofonia, como se chamavam na época estes entusiastas do novo veículo de comunicação, o então diretor da Biblioteca Pública, o poeta Eduardo Guimaraens, seria o primeiro a falar em uma emissora de rádio no estado:

– Já não há, conquista da nossa época, distâncias invencíveis, e as antigas morosidades do tempo e do espaço foram abolidas. Estão hoje mais perto do que nunca os países longínquos e os seres mais afastados e desconhecidos; com o avião e o sem-fios parece ter conseguido, neste primeiro quarto de século, realizar grande parte da universal aspiração: apertar fortemente, para que se estreitem cada vez mais, os laços do amor e da fraternidade entre os homens. Ou a psicologia dos acontecimentos erra, ou caminhamos vertiginosamente para a Idade de Ouro da humanidade, que é a do trabalho sereno, dentro da ordem, da mútua confiança e da paz. É o belo futuro da nossa grande Pátria que entra, pode dizer-se, de chofre, no apogeu da civilização. Supunham alguns cérebros do século passado, e Keats entre eles, que o papel da ciência era o de aniquilar, destruir e desembelecer o que na terra havia de ideal, de imaginação e fantasia. Tudo prova hoje o contrário: a ciência moderna deu enfim asas ao sonho de Ícaro. O homem do nosso tempo transpôs, com elas, montanhas e oceanos; dá agora volta ao globo terráqueo. E mal diminuíra o assombro, servindo-se dessas outras asas imponderáveis – que são as ondas aéreas –, o homem pode fazer ouvir de país a país, de continente a continente, destas todas a mais comunicativa harmonia: a palavra. Já para o homem que fala não existem fronteiras, pois que o domínio das alturas não tem limites. Como nos tempos da infância dos povos, o mundo, pelo prestígio do gênio humano, volta a ser a Palestina dos milagres, e tudo que nos cerca tem qualquer coisas dos prodígios do antigo Oriente. Para coroar de um pouco de glória e de graça o fato desta inauguração, a Rádio Sociedade Rio-grandense fez um apelo à mais divina das artes: a música. E é a ela que cedem, contentes, as minhas ásperas palavras o seu honroso lugar!

E a música, não como hoje, de chofre, seguiria a alocução do poeta. No ritmo do seu tempo, como em um sarau das famílias abastadas, ganharia, um instantinho depois, os alto-falantes daquelas poucas caixas, enormes e algo desengonçadas, de propriedade de uns poucos ainda. Trechos conhecidos da ópera Lohengrin, de Richard Wagner; uma Polonaise, de Frédéric Chopin; obras de compositores mais recentes à época, como o russo Sergei Rachmaninoff; trabalhos de brasileiros – a Canção da Saudade, do poeta pernambucano Olegário Mariano –; as melodiosas Suspira, coração, suspira! e Morena, morena, do compositor carioca Luciano Gallet. Na execução, sucediam-se, cantando ou ao piano, integrantes do Conservatório de Música de Porto Alegre. Em um tom típico dos encontros sociais de então, a filha do anfitrião, Diamela Ganzo Fernandez, também participou da apresentação. Por último, Eduardo Guimaraens dirigiu-se, novamente, aos presentes e aos eventuais ouvintes. Quando a transmissão foi interrompida, os relógios marcavam 22h15. Distâncias invencíveis haviam caído e antigas morosidades do tempo e do espaço, sido abolidas.
Os Ganzo, o rádio gaúcho e o telefone no sul do Brasil
2006
Luiz Artur Ferraretto 

Juan Ganzo e Edison Ganzo
Fonte: Acervo particular da família Ganzo Fernandez.

Viajar estava no sangue do empresário Juan Ganzo Fernandez, que se dividia entre o Uruguai, o Brasil e a Europa. Na Banda Oriental, este espanhol das Ilhas Canárias encontrou a pátria de adoção – adoção política nas fileiras do Partido Nacional, dos líderes blancos da família Saravia, ao lado dos quais esteve lutando nas revoluções de 1897 e 1904. Dos entreveros contra os colorados, trazia o título de coronel, que ostentava com orgulho. Já o Brasil era o lar escolhido, da família e dos negócios, com destaque para a Companhia Telefônica Rio-grandense, criada e presidida por ele. Da Europa, Ganzo vinha sempre com novidades. Em meados dos anos 1920, não foi diferente. De uma viagem ao Velho Mundo, trouxe a ideia, ainda indefinida, do rádio, a qual, mais do que a ele próprio, vai seduzir a Juan Edison Ganzo Fernandez, o filho, batizado conforme uma mania familiar de homenagear inventores, no caso o da lâmpada incandescente, o norte-americano Thomas Edison.

A rigor, o que o coronel Ganzo propunha não era o rádio propriamente dito, como explicaria, nos anos 1970, um dos integrantes do grupo de pioneiros que começava a se formar, Evaristo Bicca Quintana:

– O Edison, eu mesmo e mais alguns amigos nos empolgamos com a ideia que nos expôs o coronel Juan Ganzo Fernandez, que conhecera, na Europa, as emissões domiciliares através do telefone.

A utilização das linhas da Companhia Telefônica Rio-grandense era uma forma engenhosa de driblar a ausência de receptores e, talvez, engordar a receita da empresa. Enquanto Ganzo procura convencer seus colegas de diretoria, o núcleo de entusiastas que, mais tarde, daria origem à Rádio Sociedade Rio-grandense torna públicas suas intenções, em 3 de abril de 1924, graças ao bom relacionamento com os jornalistas de A Federação, alguns deles também atraídos pela ideia:

Um grupo de jovens aqui residentes pretende instalar, nesta capital, um serviço de irradiações fônicas a domicílio, mediante modesta mensalidade, a fim de que possam gozar de tão importante melhoramento até mesmo as pessoas menos abastadas. 
As irradiações fônicas consistem na transmissão a domicílio da radiotelefonia recebida do Rio, Buenos Aires e Montevidéu. Também serão transmitidos a domicílio: concertos, discursos, conferências, séries humorísticas, poesias, audições teatrais, receitas úteis para as famílias, notícias importantes e tudo aquilo que possa interessar às famílias.

Segundo Evaristo Bicca, a sugestão de envolver no projeto a empresa controlada por ele não prospera:

– Dentro da própria Companhia Telefônica Rio-grandense, o coronel Ganzo encontrou, por parte de outros diretores – Victor Coussirat de Araújo e Viterbo de Carvalho – objeções ao projeto que acabou não passando disso.

Evaristo Bicca
Entrevista realizada por João Paulo Flores em 1984.
Fonte: Acervo particular de João Paulo Flores.

A solução veio inspirada na Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, captada com dificuldades na capital gaúcha. Os amadores da radiotelefonia, como eram chamados então, iriam trilhar o caminho do associativismo, criando nos meses seguintes uma entidade quase homônima à de Edgard Roquette-Pinto. Na fundação desta Rádio Sociedade Rio-grandense, destaca-se Edison Ganzo, em quem, gradativamente, cresce o interesse pelos aspectos técnicos da radiodifusão. É ele que, com Evaristo Bicca, busca em Buenos Aires o equipamento transmissor a ser usado pela estação pioneira do Rio Grande do Sul, que vai operar, de modo esporádico, de 7 de setembro de 1924 até meados do ano seguinte. Mais tarde, o mesmo Edison Ganzo ajudaria, com seus conhecimentos, a criar a segunda emissora de Porto Alegre, a Rádio Sociedade Gaúcha.

Assim, a irradiação inaugural da radiodifusão gaúcha naquele Dia da Independência não poderia mesmo ocorrer em outro lugar. É na Vila Diamela, a ampla propriedade dos Ganzo, no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, que nasce o rádio no Rio Grande do Sul. Atravessa, hoje, o local da antiga propriedade uma ampla avenida que leva o nome da família de origem hispânica.

O rádio, no entanto, não seria a única inovação ligada à família Ganzo. Graças à Companhia Telefônica Rio-grandense, Porto Alegre inaugura, em 19 de abril de 1922, o seu sistema de telefonia automática, um avanço tecnológico, na época, inédito em toda a América do Sul, compartilhado apenas com Rio Grande, também por obra da empresa. Antes disto, todas as ligações dependiam sempre de uma intermediação da telefonista. Fora isto, a família participa de empreendimentos como a Companhia Rio-grandense de Usinas Elétricas, com centrais em várias cidades do estado. Quando, em meados dos anos 1920, seus negócios em telefonia são vendidos para um grupo dos Estados Unidos, o coronel Ganzo dedica-se a um zoológico montado na sua propriedade no Menino Deus, o primeiro do estado. Em 1927, a família transfere-se para Florianópolis, passando a explorar os serviços de telefonia na capital catarinense, dando continuidade a uma trajetória de intensa ligação com a comunicação eletrônica, trajetória interrompida em fins da década de 1960, com a encampação da empresa pelo governo ditatorial do general Costa e Silva.


Carlos Alberto Ganzo Fernandez, neto de Juan Ganzo Fernandez.
Entrevista realizada por Luiz Artur Ferraretto em 2 de junho de 1999.

Lincoln Ganzo de Castro, neto de Juan Ganzo Fernandez
Entrevista realizada por Luiz Artur Ferraretto em 13 de julho de 1999.
Um dia em uma emissora de rádio dos anos 1920
2008
Luiz Artur Ferraretto 

Estação receptora do radiófilo Pedro Cézar de Oliveira, em Porto Alegre (1927)
Fonte: Diário de Notícias, Porto Alegre, 10 set. 1927. p. 18.

Era mesmo tudo diferente naquela época: dos trajes, formais talvez, às relações, marcadas pela elegância da mão na aba do chapéu a saudar moçoilas no cruza-cruza do flerte de final de tarde na Rua da Praia, centro de uma Porto Alegre nada cosmopolita, mas um tanto mais humana. De fato, uma vida mais lenta, menos apressada. Rádio, então, não passava de uma curiosidade dos rapazes de boas famílias, expressão usada com frequência, sempre para indicar a posição social, o pertencer à elite, aquela parcela da população com tempo e dinheiro para flanar quando o Sol ia se pondo e, com a Lua e as estrelas já no céu, frequentar os bares, os cafés, os restaurantes e, conservadorismos postos de lado, tanto a parte pública quanto privada dos puteiros da época. Entre o borburinho dos garçons indo e vindo, das risadas das chamadas mulheres da vida fácil, das borbulhas de champanhe ou do farfalhar dos lençóis, talvez tenham saído as primeiras ideias, curiosidades iniciais, em torno da formação das sociedades ou clubes de radiófilos.

Radiófilos, sim. Ou sem-filistas, ou amantes da radiofonia. Os adeptos deste novo lazer não eram, ainda, ouvintes. Nem as emissoras, por certo, eram emissoras como se conhece hoje. Estavam mais para grupos de amigos que se reuniam em torno de um novo passatempo, no caso, ouvir emissões de outras estações e também fazer suas próprias irradiações, o que podia ou não ser frequente. Foi assim com a Rádio Sociedade Rio-grandense, a pioneira no Sul do país. Uma noite na RSR, sigla a título de prefixo usada por seus entusiastas, podia se resumir a um simples encontro para tratar do que os sócios haviam ou não captado em seus enormes – e poderosos – aparelhos, por exemplo, um trecho da ópera em apresentação no Teatro Colón, de Buenos Aires, ou no Municipal, no Rio de Janeiro.

Glória das glórias, no entanto, eram as noitadas, mais para sarau do que para programação de rádio, promovidas por estes pioneiros. Começavam, por vezes, pela declamação de poesias, passavam por apresentações de piano e de canto, podendo terminar com uma conferência científica. Tudo, é claro, sem vinhetas, cortinas ou características, que são coisas de outros tempos. Tudo, também, intercalado por longos silêncios entre uma apresentação e outra. Tudo ao ritmo da época – lembram? – mais lento, menos apressado.
A fundação da Rádio Gaúcha em fevereiro de 1927
2006
Luiz Artur Ferraretto

Em 1927, a quantidade de sem-filistas, como eram chamados então os que tinham no rádio um hobby, só diminuía em Porto Alegre. A primeira experiência em termos de emissora – a Rádio Sociedade Rio-grandense – não dera certo. O número de amadores da radiotelefonia, outra expressão utilizada, caíra de 300, à época da RSR, para uns 100, dispersos sem uma entidade a aglutiná-los. Segundo o redator da seção Radiotelefonia do Diário de Notícias, em sua coluna de 6 de outubro daquele ano, a situação só não era pior porque neste período surgira a estação SQAG da Rádio Educadora Paulista, mantendo com suas transmissões o interesse destes ouvintes pioneiros de Porto Alegre:
Depois do desaparecimento da Rádio Sociedade Rio-grandense, cuja efêmera existência só serviu para entibiar os adeptos da radiotelefonia no nosso estado e, mais profundamente, em Porto Alegre, este tão útil e instrutivo passatempo caiu num verdadeiro ostracismo e nesta situação passou, força é confessar, para o rol das coisas ridículas. 
Em contraste com a nossa situação, Buenos Aires cada vez melhorava mais as suas broadcastings e aumentava o número delas. 
São Paulo e Buenos Aires concorreram involuntariamente para o ressurgimento da radiotelefonia em Porto Alegre e isso se deu quase dois anos depois da dissolução da Rádio Sociedade Rio-grandense.
De fato, a escuta das emissões do centro do país e da região do rio da Prata mantinha mobilizados alguns entusiastas liderados por Olavo Ferrão, Carlos Freitas e Victor Louzada. Este grupo começa a se articular para que a capital do Rio Grande do Sul volte a ter uma estação transmissora. Em uma espécie de manifesto-convocação, intitulado Por que não possuirá Porto Alegre a sua estação de radiodifusão? e publicado no Correio do Povo em duas partes, nos dias 29 de janeiro e 8 de fevereiro de 1927, eles tentam reverter as expectativas pessimistas geradas pelo insucesso da Rádio Sociedade Rio-grandense e a inconstância das transmissões da Sociedade Rádio Pelotense, que, desde 1925, fazia irradiações eventuais em Pelotas, na Zona Sul do estado. Mais do que isto, procuram provar que Porto Alegre possuía então amplas condições para manter a programação de uma emissora. Na parte informativa, jornais como Correio do PovoDiário de Notícias e A Federação já tinham manifestado “o oferecimento de fazerem transmitir pelo rádio as suas mais palpitantes notícias”, ao que seriam acrescentadas a hora oficial e a previsão do tempo. Para as emissões artísticas, o Conservatório de Música e a Banda Municipal forneceriam “elementos capazes de fazerem honra a qualquer cidade”. Contariam ainda com a participação de professores particulares e de seus alunos, sem falar das diversas orquestras das casas de diversão da cidade. Segundo a mesma fonte, o custo de uma estação transmissora variava de 10:500$000 (10 mil e quinhentos mil-réis) a 120:000$000 (120 contos de réis). Mesmo que os valores fossem consideravelmente altos na época, o autor do artigo acreditava que os amadores da radiotelefonia tinham condições de juntar os recursos necessários para a compra de uma estação de 50 W de potência, com alcance médio de 70 km.

Na mesma época da publicação deste manifesto-convocação, ocorrem duas reuniões na casa de Carlos Ribeiro de Freitas, na rua da República, número 46. Na noite de sexta-feira, 5 de fevereiro, fica decidida a criação de uma nova associação transmissora, cuja denominação é sugerida por Ivo Barbedo em outro encontro no dia 9. Na mesma data, os entusiastas da radiodifusão escolhem o comitê organizador, responsável pela estruturação da entidade até a eleição da sua primeira diretoria e integrado por Alcides Cunha, Carlos Freitas, Leovegildo Velloso, Gabriel Fagundes Portella, Ivo Barbedo, Olavo Ferrão Teixeira e José Baptista Pereira. Funda-se, assim, a Rádio Sociedade Gaúcha. Nos dias seguintes, uma lista de adesões permanece à disposição dos interessados na casa comercial de Raul Lagomarsino. Quem assina passa a ser considerado sócio-fundador.

Em meados de outubro, quase um mês antes da inauguração oficial da estação, o redator da seção Radiotelefonia, eufórico, anunciava a conclusão das obras realizadas em um quarto do último andar do Grande Hotel, bem no centro da capital:
Enfim! Antena, contra-antena, estúdio, gerador e transmissor. Tudo pronto! Instalada a broadcasting rio-grandense! 
Oscilou! Sintonizou! Falta somente a última etapa, a modulação. 
[...] A quase 20 metros acima do terraço do edifício do Grande Hotel, como um monumento grandioso de progresso e civilização, ostenta-se garbosa, desafiando a altura dos arranha-céus da cidade, em forma de charuto, a antena da Rádio Sociedade Gaúcha. 
[...] Trinta e dois segundos de elevador do piso térreo ao sexto andar do Grande Hotel [...]. Alguns passos à esquerda, em compartimento especial, o transmissor; fora, sobre o piso de cimento do terraço, em lugar adequado, o gerador ao abrigo das intempéries. Voltamos ao corredor da entrada do sexto andar e entramos numa ampla sala que tem ao fundo uma câmara exótica, feita de pano escuro. Exterior e interiormente, lembra-nos quiçá as cavernas terríficas das bruxas e do demônio. 
Nada disso. É o estúdio! 
Cinquenta anos depois, Alfredo Pirajá Weiss, um dos primeiros speakers da emissora, descreveria o estúdio como uma sala singela, em que uma mesa para o locutor dividia o espaço com uma outra sobre a qual ficava uma vitrola, funcionando a manivela, com uma grande corneta como alto-falante. Um pouco antes, em setembro, já haviam começado as transmissões experimentais, preparando a inauguração festiva em 19 de novembro de 1927. Isto, no entanto, já é outra história, mas fica, nestes primeiros passos aqui descritos, o contraste com a emissora em que a Gaúcha viria a se transformar no futuro: da singeleza inicial a uma das principais rádios do país, levando seu sinal ao satélite em uma rede regional ou pela internet na rede mundial de computadores.
Os Ruschel, entusiastas do rádio
2007
Luiz Artur Ferraretto 

O tempo consagrou o mês de fevereiro como o de aniversário da Gaúcha, a mais antiga emissora em atividade na capital do Rio Grande do Sul, que chega a oito décadas de existência em 2007. É uma espécie de manifesto-convocação, intitulado Por que não possuirá Porto Alegre a sua estação de radiodifusão? e publicado no Correio do Povo nos dias 29 de janeiro e 8 de fevereiro de 1927, que dá início a esta história. Nele, os entusiastas da época fazem um chamamento geral que vai levar à fundação de uma sociedade para organizar e escutar programas, bem ao estilo do rádio de então. As transmissões regulares, no entanto, só vão iniciar em 19 de novembro daquele ano. Antes, não se sabe bem quando, visitando as instalações da futura estação com o amigo Nilo Ruschel, um rapaz de 23 anos assiste a uma espécie de jogo de empurra, em que nenhum dos associados presentes quer falar ao microfone, testando os equipamentos. Ele, então, se dispõe a ler um pequeno texto:

– Transmite Rádio Sociedade Gaúcha. Quem estiver ouvindo esta irradiação, por obséquio, envie uma carta para o Grande Hotel, na rua dos Andradas, em Porto Alegre.

Juntos estreavam, deste modo, a Gaúcha e Bolivar Carneiro da Fontoura, que, mais tarde, adotando o pseudônimo Duque de Antena, torna-se um conhecido humorista e animador de programas. Mas o caso aqui é falar de outros pioneiros: justamente Nilo Ruschel, o irmão dele, Ernani, e a irmã Ruth, todos também muito ligados aos primeiros anos da Gaúcha. Para registro, então, alguns pioneirismos dos Ruschel.

No dia 19 de novembro de 1931, Ernani transmite pela primeira vez uma partida de futebol. Naquela tarde de quinta-feira, o Grêmio Football Porto-alegrense vence por 3 a1 a Seleção do Paraná, no Estádio da Baixada, situado onde hoje está um dos principais parques da cidade, o Moinhos de Vento. A narração improvisada – Ruschel desconhecia o nome dos jogadores ou as regras básicas do esporte – ocorre poucos meses depois da primeira transmissão deste tipo da qual se tem notícia: o jogo entre os combinados paulista e paranaense, em 19 de julho do mesmo ano, com Nicolau Tuma ao microfone da Rádio Educadora Paulista.

Ernani Ruschel (anos 1930)
Fonte: Acervo particular da família Ruschel.

Meses depois, em fevereiro de 1932, acontece uma pioneira transmissão de fora de Porto Alegre, durante a primeira edição da Festa da Uva, em Caxias do Sul, como Nilo Ruschel lembraria quatro décadas depois, em entrevista a Flávio Alcaraz Gomes, na Rádio Guaíba:

– A Gaúcha teve a ideia audaciosa de levar até lá o seu microfone e de ensaiar a primeira transmissão a longa distância, a primeira vez que um microfone saiu de Porto Alegre em busca de um programa novo, de uma coisa diferente. E lá nos tocamos para a colônia italiana, para a pérola das colônias.


Nilo Ruschel
Entrevista realizada por Flávio Alcaraz Gomes para o programa 2001, da Rádio Guaíba, de Porto Alegre, transmitido em 12 de outubro de 1972.
Fonte: Acervo particular de Flávio Alcaraz Gomes.


Nilo Ruschel (anos 1930)
Fonte: Acervo particular da família Ruschel.

Nos anos seguintes, Nilo repetiria o feito em outras edições da Festa da Uva. Fora ele e Ernani, a irmã dos dois, Ruth Natália, também atrai a atenção dos ouvintes, neste caso, dos jovens ouvintes da Gaúcha. Na Audição Infantil, com apenas 14 anos à época das primeiras transmissões, em 1932, conduz meia-hora dedicada às crianças e “oferecida aos pequenos ouvintes da PRAG pela Aveia Baby e pelo Café 35 do Café Nacional”, como registram os jornais da época. Com texto de Ernani Ruschel, Ruth encarna uma preta velha moradora de Gravataí, cidade próxima a Porto Alegre. É a Tia Euphrasia, uma lavadeira contadora de estórias, por vezes girando em torno de seus dois netos e de um cachorrinho de estimação. Estórias singelas e pioneiras como a história dos Ruschel e dos primeiros momentos da Rádio Gaúcha.

Ruth Ruschel (anos 1960) 
Fonte: Acervo particular da família Ruschel.
A Rádio Gaúcha e a Revolução de 1930
2013
Luiz Artur Ferraretto

Intelectuais, integrantes da burguesia ascendente ou burocratas com fortes laços com o poder, os associados da Rádio Sociedade Gaúcha acompanharam com vivo interesse a derrota de Getúlio Vargas nas eleições de 1930 e a rebelião que, meses depois, vai levá-lo ao poder. Embora de resultado notoriamente fraudulento – 298.627 votos contra apenas 982 –, a maioria no pleito obtida por Vargas no Rio Grande do Sul atesta este apoio dos antigos chimangos e maragatos. Dois anos depois, a situação, contudo, é diferente, como observa Sandra Pesavento na sua História do Rio Grande do Sul:
Desde o ponto de vista da oligarquia gaúcha [...] a sua participação na Revolução de 1930 e a ascensão de um gaúcho ao posto mais alto do país deveria, forçosamente, implicar a orientação da política nacional em favor do Rio Grande do Sul. Em suma, para setores da classe dominante regional, os gaúchos deveriam alçar-se na posição outrora ocupada pelos paulistas. Inconformados com a não realização de suas pretensões, parte dos pecuaristas gaúchos iria se voltar contra o poder central, unindo-se aos paulistas num movimento contrarrevolucionário em 1932.
No caso da Rádio Sociedade Gaúcha, a afinidade com o Partido Republicano Rio-grandense era garantida pela presença, na presidência, da entidade-emissora de Fernando Martins de Souza, chefe do Departamento de Obras Novas da Intendência Municipal, ocupada por Octavio Rocha. Indícios desta proximidade aparecem nos jornais de Porto Alegre, quando o intendente morre, em 27 de fevereiro de 1928. Em nota à imprensa, a diretoria da sociedade manifesta-se a respeito, conforme publica o jornal A Federação no dia seguinte:
A Rádio Sociedade Gaúcha deve inestimáveis serviços ao seu distinto sócio e, por isso, resolveu a sua diretoria, em sessão extraordinária hoje realizada, [...] não irradiar à noite o programa de música de costume. Apenas será feita a transmissão do seu necrológio pelo diretor senhor Alberto de Souza Gomes. 
A Rádio Sociedade Gaúcha perde, com a morte de seu prestimoso sócio doutor Octavio Rocha, um de seus mais fortes esteios.
Em 29 de fevereiro, é a vez do redator da seção Radiotelefonia, no Diário de Notícias, definir o papel de Octavio Rocha para a emissora:
Foi sem dúvida um dos mais ardorosos radioamadores que teve a Rádio Sociedade Gaúcha no seu quadro social e foi sem dúvida também o seu melhor auxiliar na vida econômica da sociedade. 
Pode-se afirmar, sem receio, que, sem ele, a RSG não teria logrado o seu objetivo, não lhe teria sido possível conseguir os elementos do seu estúdio e de seu transmissor. 
Por isso, muito justas foram as homenagens prestadas pela diretoria da Rádio Sociedade Gaúcha ao seu ilustre benfeitor na ocasião da sua morte e dos seus funerais. 
Entre os inúmeros serviços prestados à coletividade, lá está a alterosa antena da RSG, por cima do edifício do Grande Hotel, como a lembrar para sempre à população de Porto Alegre e aos forasteiros o nome do inesquecível remodelador da nossa capital.
De fato, a Rádio Sociedade Gaúcha fazia, por si própria, parte deste imaginário de modernização em voga durante a administração de Octavio Rocha, chamado de “o remodelador da capital”, de modo significativamente ufanista pelos jornalistas de então. Não é de se estranhar, portanto, que, ao iniciar a campanha da Aliança Liberal, a Gaúcha tenha servido de instrumento de divulgação política desta parcela da oligarquia brasileira. Inseria-se, assim, no contexto político e social de sua época, uma vez que mesmo o principal jornal do estado, o Correio do Povo – diário surgido em 1895 com a pretensão de não ser ligado à nenhuma facção partidária –, assumia entusiasticamente o apoio à candidatura oposicionista. O jornal da família Caldas começa a incluir, no alto da primeira e da última página, acima dos títulos e manchetes, a frase: “Para os supremos postos da magistratura brasileira no próximo quadriênio: Getúlio Vargas e João Pessoa”.

Imprensa atesta importância da Gaúcha no processo revolucionário de 1930
Fonte: Correio do Povo, Porto Alegre, 26 out. 1930. p. 3.

Ao longo da campanha, há registros de transmissões da Gaúcha defendendo a Aliança Liberal e colocando um contraponto às irradiações da Rádio Educadora Paulista, que, por sua vez, faz a apologia do candidato do seu estado, Júlio Prestes, apoiado pelo presidente Washington Luiz Pereira de Sousa. O efeito das mensagens difundidas pela Gaúcha incomoda as lideranças do governo federal, como o Correio do Povo registra em sua edição do dia 26 de outubro de 1930:
Já na fase eleitoral da luta, prestou a nossa estação difusora do rádio serviços relevantes à causa nacional, levando a palavra do Rio Grande até as mais longínquas povoações, incutindo nos nossos patrícios a fé inabalável de que estavam animados os orientadores da opinião. 
Por tal forma se portou a Gaúcha que o governo federal tentou, na sua obra de compressão, emudecê-la, ordenando o seu fechamento. Essa providência só não foi efetivada graças à ação enérgica da sua diretoria, que fez compreender às autoridades federais a violência da medida, quando a Rádio Educadora Paulista fazia, com a maior liberdade, a propaganda do Catete.
Não foi esta a única reação do governo de Washington Luiz à campanha radiofônica da Gaúcha. Também um transmissor comprado à Telefunken alemã é retido no porto do Rio de Janeiro ao chegar da Europa. A Rádio Sociedade Gaúcha monta, então, com recursos próprios, uma estação de ondas curtas para garantir o alcance nas suas emissões. Quando a revolução inicia, em 3 de outubro, as proclamações dos rebelados usam as ondas hertzianas da Rádio Sociedade Gaúcha, seguindo-se um embate propagandístico pelo éter que acompanha as pelejas do campo de batalha. Na radiodifusão, o principal alvo rebelde é a Educadora Paulista. A respeito, o Correio do Povo critica, em 10 de outubro, à emissora:
Sociedade que deveria ser um modelo de civismo, levando a todos os recantos do território nacional, no desempenho de sua elevada missão, palavras de conforto e de confiança na vitória da causa nacional, acha-se, mercê da subvenção que lhe dá o governo paulista, transformada em arma de guerra manejada criminosamente pelos agonizantes dominadores do dia.
Dias depois, o governo federal manda apreender todos os aparelhos receptores de radiotelegrafia e radiotelefonia. Os amadores estavam colaborando com as tropas rebeldes, captando transmissões militares e dos clubes e sociedades de radiodifusão. A preocupação básica era evitar, principalmente, a troca de informações estratégicas e, em segundo lugar, a propaganda dos rebeldes.

Um exemplo deste uso propagandístico, utilizando o precário transmissor de ondas curtas montado às pressas, é a irradiação do discurso em francês do professor Julio Lebrun, no dia 20 de outubro. Nela, de acordo com o relato também do Correio, em 21 de outubro, há a nítida intenção de informar ao exterior o que ocorre no país, registrando a vitória da revolução em 15 estados. Lebrun preocupa-se também em desmentir a versão difundida pelo Palácio do Catete de que o movimento possuía caráter comunista. O próprio Oswaldo Aranha, um dos líderes da sublevação armada, usa o microfone da Gaúcha para instigar a população à revolta, fato, mais tarde, registrado em uma placa de bronze colocada no estúdio da praça José Montaury, no Moinhos de Vento.

Fora estes acontecimentos isolados, existem registros de que a Rádio Sociedade Gaúcha, durante a campanha da Aliança Liberal, transmite informes e proclamações antigovernistas cinco vezes ao dia, procurando explorar as possibilidades, em especial, das ondas curtas. Estas irradiações tornam-se mais frequentes após a divulgação dos resultados do pleito de 1º de março de 1930, indicando a vitória do presidente de São Paulo, Júlio Prestes de Albuquerque. Os sócios da Gaúcha continuariam em clima de radicalização crescente até a derrubada de Washington Luiz, em 24 de outubro, e a posse de Getúlio Vargas, em 3 de novembro desse mesmo ano.

No Rio Grande do Sul e no Brasil, rádio e política começavam uma relação nem sempre ética, nem sempre informativa, mas, com certeza, duradoura e de forte influência na sociedade.
A Rádio Gaúcha e a Revolução Constitucionalista de 1932
2007
Luiz Artur Ferraretto

Há 75 anos, o rádio ocupou local de destaque no embate político e militar que passaria à história como a Revolução Constitucionalista de 1932. Pelo lado do apoio ao governo federal, a então PRAG – Rádio Sociedade Gaúcha iria se destacar, fazendo o contraponto, em especial, às transmissões da Educadora Paulista e da Record, esta última por si palco do primeiro movimento a encaminhar para o conflito.

No dia 23 de maio de 1932, um grupo de estudantes invade a Rádio Record, de São Paulo. Um deles, José Branco Lefèvre, lê ao microfone um manifesto contra o governo revolucionário liderado por Getúlio Vargas:

– Nós, os abaixo-assinados, declaramos que invadimos, à valentona, os estúdios da Rádio Record e conclamamos o povo para que se mude a situação política existente no Brasil.

Na mesma noite, uma multidão tenta tomar a sede da antiga Legião Revolucionária, entidade tenentista transformada no Partido Popular Progressista. Os manifestantes são repelidos a bala. Quatro estudantes – Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo – morrem. Das suas iniciais, surge a sigla MMDC, que denomina a entidade responsável pela organização da Revolução Constitucionalista. Até outubro, quando termina o conflito, locutores como Nicolau Tuma, Renato Macedo e, em especial, César Ladeira leem apelos revolucionários ao som da marcha Paris Belfort. As emissoras fazem ampla propaganda do movimento antigovernista.

No Sul, passadas três semanas do início da Revolução Constitucionalista, em 9 de julho de 1932, a Rádio Sociedade Gaúcha encaminha, no dia 1º de agosto, um ofício ao chefe de Polícia, tenente-coronel Agenor Barcellos Feio, e ao diretor regional dos Correios e Telégrafos, Carlos Thompson Flores Netto, solicitando autorização para estabelecer comunicações com São Paulo. A respeito, registra o jornal Correio do Povo, no dia 3:
A Rádio Sociedade Gaúcha, desta capital, há vários dias, vinha recebendo constantes pedidos por parte de interessados para ser estabelecido, por meio de seu microfone, um serviço de comunicações particulares de pessoas que, residentes no estado de São Paulo e aqui de passagem ou com parentes moradores naquele estado, desejem dar notícias suas ou pedi-las daqueles que lá estão.
Com o pedido aceito pelas autoridades, a PRAG começa a transmitir os comunicados no dia seguinte, a partir das 22h. Nas madrugadas de sábado para domingo, todos os recados da semana são repetidos. O uso da estação da Rádio Sociedade Gaúcha não se restringe a esta tarefa informativa. No dia 9 de setembro, o interventor federal do Rio Grande do Sul, general José Antônio Flores da Cunha, requisita as instalações da emissora. O objetivo, como define o jornal governista A Federação, é informar, fazendo frente e acabando com a “campanha de falsificações posta em prática pela Rádio Educadora Paulista”. A ocupação estende-se até os primeiros dias do mês de outubro.

Neste período, a PRAG opera com o nome de Rádio Oficial. A programação também sofre alterações. Além das notícias dos matutinos publicados na capital, lidas das 12 às 12h15, e dos vespertinos, reproduzidas das 21h45 às 22h, passa, junto com as habituais apresentações musicais ou reproduções de discos oferecidos por casas comerciais de Porto Alegre, a intercalar notícias sobre a situação política do país, destacando a visão do governo central a respeito do conflito.

Outra interessante modificação acontece na Audição Infantil. Transmitida aos sábados, das 19h45 às 20h15, o programa era conduzido por Ruth Ruschel, interpretando uma preta velha, a Tia Euphrasia, que contava estórias para as crianças. Ocorre que, durante a intervenção, a personagem dá lugar ao Coronel Pacífico e à Nhá Chica, desaparecidos quando a emissora volta a ser a Rádio Sociedade Gaúcha. O curioso é que a revolta liderada pela classe dominante paulista opunha-se ao crescente poder do tenentismo dentro do governo federal. Enquanto isto, na Rádio Oficial, saía Tia Euphrasia e entrava uma dupla em que se destacava um militar e, ainda, com uma denominação – Pacífico – contrastando com o momento belicoso vivido pelo país. Talvez os gaúchos pensassem que, se uns invadiam “à valentona” uma emissora de rádio, outros, pelo jeito, poderiam encarnar, de outra parte, um coronel “pacífico”.
Arthur Pizzoli e o início do rádio comercial
2007
Luiz Artur Ferraretto

Chove muito em Porto Alegre, prejudicando a recepção das emissoras de Buenos Aires e de Montevidéu. Aos ouvintes, resta como alternativa sintonizar a única estação local mantida pela PRC-2 – Rádio Sociedade Gaúcha. O gerente da Casa Coates, Arthur Pizzoli, tem uma ideia. Quer aproveitar o inesperado aumento de sintonia, ampliando o número de comerciais dos refrigeradores Frigidaire e dos receptores Philco, dos quais é o revendedor exclusivo no Rio Grande do Sul. Por telefone, fala com o agenciador de reclames Nilo Ruschel. Ainda muito reticente quanto à veiculação de publicidade, a diretoria da sociedade só aceita anúncios submetidos à apreciação 24 horas antes de serem lidos ao microfone. Sabendo das restrições, Ruschel, rapidamente, contata os responsáveis pela PRC-2, tentando convencê-los a aceitar o pedido do comerciante. Nada consegue. Ao saber da resposta dos diretores da Gaúcha, Pizzoli, irritado, responde:

– Eu sei o que vocês estão precisando. Vocês estão precisando de uma emissora concorrente para acabar com este monopólio. Pois eu vou botar a minha própria estação de rádio.

Do episódio, conforme alguns, surge a primeira estação exclusivamente comercial da cidade, a Rádio Difusora Porto-alegrense. Outra versão diz que Pizzoli queria mesmo vender os aparelhos receptores da marca Philco distribuídos pela Coates. O certo, no entanto, é que o sucesso da Difusora permite, anos depois, a compra da própria Gaúcha. Tudo amparado, é claro, no tino comercial de Pizzoli. Um exemplo é o slogan que cria para as geladeiras vendidas na Coates:

– Não compre um refrigerador, compre um Frigidaire.

Graças à popularidade desta frase de efeito, a marca torna-se sinônimo de refrigerador no Rio Grande do Sul. É este pendor para o negócio que o empresário leva também para a Gaúcha no início da década de 1940. Quem controla a PRC-2, então, é Breno Caldas, tendo por sócio um concorrente da Coates, Francisco Garcia de Garcia, proprietário da Casa Victor. Conforme Breno Futuro, genro de Arthur Pizzoli, o gerente da Coates e dono da Difusora começa a se interessar pela Gaúcha:

– Com a continuação da guerra, foram se criando e agravando dificuldades para as firmas de eletrodomésticos. Praticamente, tudo era importado, principalmente peças importantes de reposição. As dificuldades começaram a se fazer sentir para os aparelhos vendidos. As oficinas de manutenção das casas Coates e Victor, esta de Chico Garcia, tinham problemas semelhantes. Para a sobrevivência das mesmas e bom andamento, foi proposta por Pizzoli uma negociação em que seria permutado o controle acionário da Casa Coates pelo controle da Rádio Gaúcha, em mãos de Garcia.

Arthur Foltran de Pizzoli, fundador da Rádio Difusora Porto-alegrense (anos 1940)
Fonte: Diário de Notícias, Porto Alegre, 22 out. 1949. p. 6.

Em 1942, o habilidoso Pizzoli já possui o controle acionário da emissora. Trata, então, de aproveitar profissionais da Difusora na Gaúcha. Cândido Norberto Santos, um destes radialistas, descreve assim a situação da emissora na época:

– Encontramos a Gaúcha tocando disco o dia inteiro, paupérrima de comerciais, tendo como suporte econômico as dedicatórias. Para erguê-la, foi preciso levar adiante um lento trabalho de pôr ordem nas coisas.

Entre 1942 e 1944, a Gaúcha atravessa, assim, um período de reformulação, preparando-se para competir com mais força no mercado. Os transmissores são reformados e o auditório, ampliado. O balanço de 1943 já registra um faturamento de Cr$ 465.183,00 (465 mil 183 cruzeiros). No entanto, com duas das três estações de Porto Alegre em um mercado ainda incipiente, Pizzoli começa a enfrentar dificuldades de comercialização. Opta, então, por vender a Difusora, direcionando seus investimentos em rádio para a Gaúcha. Assim, até o final da década, a PRC-2 faz frente à Farroupilha, escudando-se na cobertura esportiva – ponto fraco da concorrente – e no espetáculo – área em que a concorrência parecia imbatível.

Breno Martins Futuro
Entrevista realizada por Luiz Artur Ferraretto em 26 de junho de 1999.
A inauguração da Rádio Difusora
2013
Luiz Artur Ferraretto

No primeiro semestre de 1934, a primeira emissora pensada como negócio no Rio Grande do Sul – a Rádio Difusora Porto-alegrense – começa a transmitir experimentalmente. Já nesta fase inicial chama a atenção o espaço destinado à publicidade e o caráter mais popular das irradiações, o que contrasta com a orientação dada, ainda, à Gaúcha pelos sócios desta entidade dedicada à radiodifusão sonora. Tais práticas desagradam alguns pioneiros da radiodifusão como Bolivar Fontoura, o Duque de Antena, que, em sua coluna no Jornal da Manhã, não perdoa o que considera falta de qualidade dos primeiros reclames da estação de Arthur Pizzoli, mas reconhece o poder dos anúncios na sustentação das emissoras:
A propaganda é o nervo das broadcasting, é condição sine qua non de sua existência, por isso que elas se mantém – a maior parte – exclusivamente da renda dos anúncios que irradiam pelo microfone. 
[...] São muito comuns, na nossa Difusora, os anúncios malfeitos, que os speakers, mecanicamente, despacham para o infinito todos os dias. 
Na propaganda de Underberg, por exemplo, parece que existe a preocupação especialíssima de enfadar e enervar o ouvinte pacato e desprevenido. Se não vejamos: 
‘XXX – Um cálice por dia dá saúde e alegria. 
XXX – Não deve faltar em nenhuma casa. 
XXX – 88 anos de êxito mundial.’ 
Essa repetição inútil e irritante serve exclusivamente para desagradar e mesmo irritar o ouvinte que, não raro, ao primeiro enunciado de Underberg, num gesto brusco, passa a sintonizar outra onda. 
Convenhamos, se o representante desse afamado líquido usasse apenas a primeira frase, não teria feito um anúncio mais econômico, muito mais eficiente e simpático?
As transmissões experimentais, por vezes, ocorrem em bares e cafés da rua dos Andradas, uma forma idealizada por Pizzoli com o objetivo de popularizar a Difusora, atraindo ouvintes para a rádio e clientes para os produtos da Casa Coates e dos demais anunciantes. O comércio porto-alegrense vivia um ciclo de prosperidade que se estenderia até a eclosão da Segunda Guerra. A economia gaúcha recuperava-se dos efeitos da crise mundial iniciada cinco anos antes com a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque.

Outro fator vai também facilitar o sucesso comercial do empreendimento de Arthur Pizzoli. Em 1º de março de 1932, o governo federal organiza a veiculação da publicidade pelas emissoras de rádio, com o Decreto n. 21.111, regulamentando outro, o de n. 20.047, de maio do ano anterior. Assim, 10% das transmissões podem ser ocupados por reclames. É a garantia dos recursos que, lucro à parte, serão reinvestidos na programação com a finalidade de atrair o público necessário, se possível em um ciclo interminável do ponto de vista do capitalista, para obter mais e mais anunciantes.

Neste contexto, em 27 de outubro de 1934, às 21h, é inaugurada oficialmente a PRF-9 – Rádio Difusora Porto-alegrense. Aos estúdios localizados junto à galeria do Bar Florida, na rua da Praia, comparecem, entre outros, o diretor regional dos Correios e Telégrafos, Carlos Thompson Flores Netto; e os representantes da Rádio Sociedade Gaúcha, Ivo Barbedo e Ernani Ruschel. “Depois de servidos champanhe e doces, os presentes visitaram o estúdio, que se encontra modernamente instalado com material fornecido pela Casa Coates”, informa o Correio do Povo, no dia seguinte, acrescentando que a estação de 500 W permitiria a sintonia do sinal em qualquer ponto do estado.

Inauguração da Rádio Difusora Porto-alegrense (27 de outubro de 1934)
Fonte: Correio do Povo, Porto Alegre, 28 out. 1934. p. 9.

A imprensa destaca, ainda, o maior diferencial da PRF-9 em relação às suas antecessoras. O Diário de Notícias deixa claro que “a nova broadcasting é de propriedade de uma sociedade civil”. A Rádio Difusora Porto-alegrense já nasce, portanto, como empresa, procurando tirar da publicidade, além da cobertura para as despesas geradas, o lucro.
A inauguração da Rádio Farroupilha
2005
Luiz Artur Ferraretto

Uma fria noite de inverno. O público se aglomera em frente a um casarão da Duque de Caxias, número 1.304, em pleno centro de Porto Alegre. Em torno do prédio de dois andares, cada um espera ver, nem que seja por breves instantes, na chegada ou na saída, dois dos mais importantes artistas da música brasileira, assunto, desde a véspera, das rodas de conversa da Rua da Praia, a principal da cidade. De fato, neste 24 de julho de 1935, repete-se o acontecido na tarde anterior, quando centenas de pessoas foram até o cais do porto, junto à estação flutuante do Condor Syndikat. De um hidroavião da empresa aérea alemã, desceram então Carmen Miranda, sem dúvida a maior cantora brasileira, e Mario Reis, um dos principais intérpretes da música de Noel Rosa. Ela, que havia vendido, quebrando recordes, 36 mil cópias do seu terceiro disco, o da marchinha Pra você gostar de mim, de Joubert de Carvalho, ou melhor, de Taí, como o povo rebatizou o samba, entoando a letra em todos os carnavais, enquanto existirem pierrôs e colombinas. Ele, não Francisco Alves, o mais importante cantor do momento, mas o ex-parceiro do rei da voz, na dupla desfeita há dois anos, em 1933.

Mario Reis e Carmen Miranda chegam a Porto Alegre para a inauguração da
Rádio Sociedade Farroupilha (23 de julho de 1935)
Fonte: Correio do Povo, Porto Alegre, 24 jul. 1935. p. 5.

Pra você gostar de mim (Taí), de Joubert de Carvalho, na voz de Carmen Miranda acompanhada pela Orchestra Victor (1930)

A cantora de trejeitos brejeiros e o intérprete quase aristocrata da voz sempre em um tom abaixo a criar estilo estão em Porto Alegre e – à boca pequena, na voz de renitentes elitistas, ou, de forma escrachada, na dos seus admiradores confessos – vão participar, nesta noite, da inauguração oficial da PRH-2 – Rádio Sociedade Farroupilha, “a maior broadcasting do país”, como os jornais não deixam ninguém esquecer nos últimos dias.

Pelos corredores dentro do casarão nos altos do viaduto que corre perpendicular à avenida Borges de Medeiros, circula um orgulhoso Arnaldo Ballvé, ex-funcionário do Banco da Província do Rio Grande do Sul convertido em diretor da estação pelos laços de parentesco e amizade entre a sua família e a dos proprietários, a do general José Antônio Flores da Cunha, governador do estado. Junto ao estúdio, apenas convidados especiais a garantir certa feição de elite à PRH-2, primeira grande emissora de rádio do Sul do país. Na Duque e ao longo das quatro escadarias do viaduto, a multidão cresce na expectativa também de ouvir seus ídolos pelos alto-falantes colocados no lado de fora do prédio.

Estúdio da Rádio Sociedade Farroupilha (1937)
Fonte: Revista do Globo, Porto Alegre: Livraria do Globo, ano 9, n. 210, p. 47, 24 jul. 1937.

Pouco depois das 20h, após a chegada do governador gaúcho com os integrantes do secretariado estadual, o locutor Arildo Príncipe encarrega-se da apresentação inicial da Farroupilha. Na sequência, discursa o próprio Flores da Cunha, além de outras autoridades. A noite, no entanto, é de Carmen Miranda e Mario Reis ao microfone da PRH-2. Em um desfecho apoteótico, acompanhando os seus ídolos pela Duque de Caxias, descendo com eles em direção ao Grande Hotel, onde os dois estão hospedados, a multidão vai se apropriando do rádio. Naquele trecho, as pessoas já são ouvintes e não mais sem-filistas ou amadores da radiofonia, como nos tempos das sociedades de elite. Com 25 kW, maior potência entre as emissoras brasileiras da época, a Farroupilha nasce para reinar como pioneira do lazer massivo no Rio Grande do Sul.

Frederico Arnaldo Ballvé, filho de Arnaldo Ballvé, primeiro diretor da Farroupilha
Entrevista realizada por Luiz Artur Ferraretto em 29 de abril de 1999
A Rádio da Universidade
2019
Luiz Artur Ferraretto

Prédio da Rádio da Universidade
Fonte: Acervo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

A Universidade Federal do Rio Grande do Sul é a pioneira em rádio sem fins comerciais nas instituições de ensino superior brasileiras. Conhecida por veicular música erudita, a Rádio da Universidade opera em 1.080 kHz, aguardando a migração para a frequência modulada. Tem seu lado tradicional com um pé, portanto, na modernidade. Por exemplo, convertido em podcast, um de seus programas, o Fronteiras da Ciência, alcança considerável impacto na podosfera brasileira.

A ideia inicial da emissora surgiu por volta de 1948, mas demoraria quase uma década para se consolidar. Um professor de Engenharia queria demonstrar aos seus alunos os princípios básicos envolvidos na construção de transmissores e na irradiação propriamente dita. Antônio Alberto Goetze empenha-se, então, para concretizar este objetivo.

No dia 1º de julho de 1950, a reitoria da universidade obtém uma autorização para operar uma estação voltada à transmissão educativa. Poderia irradiar em ondas curtas os dados de seu observatório astronômico, palestras e ensinamentos. Estavam proibidas, no entanto, emissões de caráter recreativo, incluindo-se qualquer tipo de programação musical, o que acabaria acarretando problemas no futuro. Janeiro de 1951 marca o início do primeiro período de transmissões da emissora.

Em dezembro de 1953, de forma quase traumática, a Rádio da Universidade ganha uma de suas características principais: a difusão de música erudita. No início do mês, o maestro e professor Armando Albuquerque adquire um piano e começa a executar peças musicais ao microfone. Como consequência do descumprimento da portaria que autorizava as operações da estação, as autoridades retiram do ar a rádio  no último dia de 1953.

Algumas semanas depois, o reitor Elyseu Paglioli vai ao Rio de Janeiro e obtém do presidente Getúlio Vargas a garantia de uma outorga em ondas médias. Assim, no dia 18 de novembro de 1957, às 20h, entrava no ar em caráter definitivo a Rádio da Universidade, transmitindo na frequência de 1.080 kHz e utilizando inicialmente o prefixo ZYU-67.
Julio Rosemberg, o homem do “Viuuuuu!!!”
2018
Luiz Artur Ferraretto

Ele começou em rádio no ano de 1948, substituindo com o seu Domingo Alegre uma das primeiras grandes atrações das emissoras da capital gaúcha, o programa de calouros Hora do Bicho, de Piratini, na Difusora. Trabalhou em torno de dois anos dividindo-se entre a PRF-9 e a Farroupilha. Foi em São Paulo, no entanto, que o radialista pelotense Julio Rosemberg iria se consagrar ao longo da década seguinte. No início dos anos 1960, acrescentaria ao seu currículo o lançamento de um então jovem desconhecido, Roberto Carlos, coroado por ele como “rei da música brasileira”. A respeito, o radialista recordaria ao Projeto Vozes do Rádio da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul:

Em duas semanas de apresentações, o público já não vinha mais assistir ao Programa Julio Rosenberg. Vinha ver o programa em que Roberto Carlos cantava.

Apesar de radicado em São Paulo, onde comanda o seu programa na TV Tupi, Rosemberg é anunciado em 1961 como uma das grandes atrações da Rádio Gaúcha e entra em uma rotina comum ao longo daquela década, quando apresentadores do centro do país mantêm, graças ao desenvolvimento do transporte aéreo, versões locais de suas atrações em outras capitais do Sul e do Sudeste. No caso do Programa Julio Rosemberg, além de São Paulo e Porto Alegre, há ainda Curitiba. O esquema dura pouco mais de um ano. O radialista traz a Porto Alegre, entre outros, artistas como Elizete Cardoso, Juca Chaves, Orlando Silva e Pery Ribeiro.

Reportagem sobre a estreia do Programa Julio Rosemberg na Rádio Gaúcha (1961)
Fonte: Revista do Globo, Porto Alegre, ano 33, n. 807, p. 16, 11-24 nov. 1961.

Nos anos 1950 e 1960, o radialista faz sucesso, abrindo espaço para novos valores musicais que surgem sob a influência do rock de origem anglo-americana. É um dos primeiros em nível nacional a perceber no jovem um público para conteúdos específicos em rádio e em televisão. Vai se consagrar, assim, como um dos principais incentivadores da Jovem Guarda, com artistas como Erasmo Carlos, Roberto Carlos, Jerry Adriani, Ronnie Von, Vanusa, Wanderley Cardoso e Wanderléia marcando presença e sendo anunciados de um modo muito próprio do animador, que utiliza algumas frases de efeito:

– Com vocês, a figura querida de um bom cantor, Roberto Carlos...

E após a pausa, salientando o bordão:

– ...viuuuuuu!

Na comunicação com o auditório, prefere, as vezes, um “Menina moça, oiiiii!” para receber em resposta um outro “Oiiiii!” em uníssono.

No final dos anos 1970, Julio Rosemberg transfere-se para Porto Alegre, ocupando o horário da madrugada na Rádio Gaúcha, e administra bailões na Região Metropolitana. Em 1984, passa a trabalhar na Farroupilha com o programa que leva seu nome.

Julio Rosemberg relembra sua trajetória em entrevista a Cândido Norberto ( de agosto de 1988)
Fonte: RÁDIO GAÚCHA. Gaúcha Entrevista, Porto Alegre, 1º ago. 1988. Programa de rádio.

Na Farroupilha, em 2002, com 54 anos de profissão, Julio Rosemberg é homenageado em seu aniversário com um programa de duas horas de duração conduzido por Gugu Streit.

Erasmo Carlos homenageia Julio Rosemberg (29 de setembro de 2002)
Fonte: RÁDIO FARROUPILHA. Especial Julio Rosemberg, Porto Alegre, 29 set. 2002. Programa de rádio.

Julio Rosemberg faleceu em 19 de abril de 2004.
Carlos Alberto Carvalho e os programas Lacta Clube e Clube Difusora Banrisul
2018
Luiz Artur Ferraretto

Flâmula distribuída pelo programa Lactaclube (anos 1960)
Fonte: Acervo particular.

Para os meios de comunicação e, em especial, para a indústria fonográfica, o jovem começa a se consolidar como público e consumidor ao longo da década de 1960. Não é diferente no rádio. Para essa faixa da audiência, a Rádio Difusora Porto-alegrense lança em 1961 o Lacta Clube, uma criação de Carlos Alberto Carvalho. A atração é irradiada, de segunda a sexta-feira, dos estúdios da emissora, trazendo informações dos colégios da capital gaúcha e homenagens aos aniversariantes do dia, além de música. Aos domingos, das 10 às 11h, transfere-se para as dependências de uma escola – no ginásio ou no auditório – ou de um cinema, levando cantores, instrumentistas e conjuntos. Aos sábados, das 13h30 às 18h, Carvalho promove, ainda, torneios esportivos entre estudantes da capital e do interior, também transmitidos pela Difusora.
Sob a influência do rock, a novidade musical daquele momento, o Lacta Clube torna-se um dos principais espaços de apresentação e divulgação dos conjuntos locais. Traz ao Rio Grande do Sul, ainda, ídolos de um mercado em formação: o da música jovem. Assim, em 1963, pela primeira vez, apresenta-se na capital gaúcha o cantor Roberto Carlos, na época, alcançando o sucesso nacional com canções como Splish Splash, de Bob Darrin e Jean Murray, em versão de Erasmo Carlos, parceiro do cantor em Parei na Contramão, outra música muito executada então.
Na cena artística de Porto Alegre, o Lacta Clube faz a fama do grupo porto-alegrense The Dazzles, formado, de início, por Hermes Fei, João Manoel Blattner, Renato Henrique Syka e Sérgio Stosch. No ano de 1965, com o Banco do Estado do Rio Grande do Sul substituindo, como patrocinador, a Lacta, o programa ganha uma nova denominação – Clube Difusora Banrisul –, mantendo-se no ar até 1969.

The Dazzles no Clube Difusora Banrisul (outubro de 1966)
Da esquerda para a direita, em um programa especial no Auditório Araújo Viana, apresentam-se João Manoel Blattner, Sérgio Stosch, Nilton Luiz Bastos, Hermes Fei e Jalmar de Oliveira. A formação da banda aparece alterada em relação à original.
Fonte: Acervo particular de João Manoel Blattner.

Carlos Alberto Carvalho, em paralelo ao rádio, vai se dedicar à docência, sendo, durante anos, um dos mais conhecidos professores de rádio dos cursos de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Uma rádio que dava samba: a Princesa AM, de Porto Alegre
2018
Luiz Artur Ferraretto

Trata-se de uma emissora cuja história ainda precisa ser pesquisada e analisada em profundidade. Quebrando estereótipos e até enfrentando preconceito, nos anos 1980 e 1990, Porto Alegre – capital brasileira do tradicionalismo gaúcho – possuiu uma emissora dedicada ao samba e ao carnaval. Foi a Princesa AM, situada nos 780 kHz.
A trajetória da emissora começa bem antes. A respeito, registra Octavio Augusto Vampré, no seu livro Raízes e Evolução do Rádio e da Televisão:
Outro grupo, liderado pelos irmãos Ernesto e José Pertilli, a 29 de abril, implantou três emissoras a partir da cidade de Cachoeira do Sul. A Rádio Princesa do Jacuí, em Cachoeira do Sul, uma emissora em Candelária e outra em Porto Alegre. Este mesmo grupo tencionava montar, também, uma emissora de televisão, dentro do mesmo sistema e com a mesma denominação, num plano ousado de instalação na mais alta elevação dos arredores de Cachoeira do Sul, o morro do Botucuraí, de dificílimo acesso, para daí alcançar Porto Alegre através de repetidoras.  
Em 1979, sob o controle da família Jarros, do Jornal do Comércio, de Porto Alegre, a rádio dos 780 kHz usa a mesma denominação do diário especializado em economia e negócios. Na década seguinte, ao adotar uma programação calcada na mais icônica das manifestações culturais brasileira, retoma a denominação original. Além de tocar muito samba, a Princesa vai transmitir diversos carnavais, incluindo o principal de todos, o do Rio de Janeiro. De 1985 a 1996, promove o Samba Sul, uma espécie de festival de samba, geralmente realizado no Gigantinho.
No final da década, a Rede Pampa assume a emissora. A frequência dos 780 kHz passa a ser ocupada pela Rádio Pampa. A marca Princesa vai ressurgir em uma das estações de frequência modulada dos Gadret, por vezes, com uma programação musical inteiramente dedicada ao samba, embora, em alguns períodos, adote outros formatos.
Cultura OC: uma rádio apenas em ondas curtas e dedicada ao gauchismo
2018
Luiz Artur Ferraretto

Uma experiência curiosa e completamente esquecida. No início dos anos 1980, a então Rede Rio-grandense de Emissoras, atual Rede Pampa, aproveita de forma diferenciada a sua estação de ondas curtas. Na época, essas emissoras serviam para levar bem mais longe o sinal das rádios em amplitude modulada. Era o que faziam, por exemplo, Gaúcha e Guaíba, sempre apostando no interesse do público do interior ou de fora do estado em cidades fora do alcance de suas estações em AM. O grupo liderado por Otávio Dumit Gadret resolveu produzir uma programação exclusiva para as ondas curtas e voltada aos gaúchos ou aos apreciadores da cultura nativista, independentemente da região do país. Estava criada a Cultura OC. Em maio de 1983, o número 2 do jornal Microfone registraria para a posteridade a existência da emissora.

 Reportagem do jornal Microfone (maio de 1983)
Fonte: Microfone, Porto Alegre, maio 1983. p. 9.

FM Cultura: nas ondas do rádio público de Porto Alegre
2018
Leonardo Melgarejo

Fundada em 20 de março de 1989 e com uma programação de música e jornalismo, a FM Cultura é uma emissora de rádio mantida pelo estado do Rio Grande do Sul. Até 2018, a administração ficava a cargo da Fundação Cultural Piratini, extinta durante o governo de José Ivo Sartori, do MDB, e que também geria a TVE.


Reportagem da TVE sobre a inauguração da FM Cultura (20 de março de 1989)
Fonte: Acervo particular.

A rádio passou por dificuldades de gestão desde seu princípio. A fundação era comandada por uma direção, indicada pelo governador do estado, e  um conselho deliberativo, formado com representantes de entidades e da sociedade civil. A cada gestão, sucediam-se alterações de enfoque de acordo com a frente de partidos que o ocupa o poder.



Reportagem da TVE sobre a FM Cultura (27 de março de 2015)
Fonte: Acervo particular.

A última decisão do governo, em 2016, foi de extinção da Fundação Cultural Piratini. Como resultado, houve dispensa e realocação de funcionários, com repasse da FM Cultura e da TVE para a Secretaria de Comunicação do estado. Parcela significativa da programação passou, então, a ser apenas musical. Em 2019, já com Eduardo Leite, do PSDB, no governo, houve retomada de alguns programas da grade anterior ao fim da fundação.
A Bandeirantes e o horário da Voz do Brasil
2018
Luiz Artur Ferraretto

De meados da década de 1990 até o final dos anos 2000, as emissoras de rádio da Bandeirantes em Porto Alegre aproveitaram uma liminar obtida pelo grupo em São Paulo para não transmitir a Voz do Brasil na faixa das 19 às 20h. A decisão considerava inconstitucional a obrigatoriedade. Na faixa, vários tipos de conteúdo foram testados.
De início, na estação dos 640 kHz. o horário foi ocupado pelo Band Cidade, aproveitando para dar informações essenciais nesse horário, como as relacionadas ao trânsito. Em 2000, o programa foi substituído pelo Contra-ataque, mais focado no futebol, sem descuidar de outras informações. Outra tentativa foi com o programa policial Rádio Patrulha, de Antônio Carlos Contursi, o Cascalho. Também a Ipanema usou, em alguns períodos, essa faixa horária.
No ano de 2002, em depoimento ao Projeto Vozes do Rádio da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, o então diretor geral da Bandeirantes no estado, Ubirajara Valdez, comentava o tema:
Eu acho que a gente quebrou uma barreira. A Bandeirantes tem isso daí... Tem no nome o desbravamento. E, também, aqui no Sul, foi a pioneira e está sendo até agora a única emissora que não transmite a Voz do Brasil. Ela e a Ipanema FM. Para nós, é fantástico. A gente conquista público. 
De fato, em Porto Alegre, outras emissoras só conseguiriam uma vitória semelhante à da paulista mais tarde.
A Band é a primeira a duplicar a transmissão para a frequência modulada
2018
Luiz Artur Ferraretto


Em março de 2000, a programação jornalística veiculada pela Bandeirantes nos 640 kHz de sua emissora em AM passou a ocupar também os 99,3 MHz da faixa de FM. Foi uma ousadia para a época em Porto Alegre. Provavelmente, se a matriz da empresa, em São Paulo, não tivesse decidido descontinuar o projeto em dezembro do ano seguinte, a configuração da audiência do segmento de jornalismo seria diferente na capital gaúcha na atualidade. Afinal, quando em 2008 a Gaúcha resolveu fazer o mesmo, não encontrou nenhuma concorrência direta em frequência modulada.
A atuação da Band trouxe, na época, uma inovação na transmissão dos jogos da dupla Grenal quando havia rodada dupla. A Band AM, com mais potência, ficava com a partida realizada no interior, e a Band FM, com melhor qualidade de som, mas menor alcance, com a de Porto Alegre no mesmo horário.
Em entrevista para a revista Press, o então diretor de Operações da Rede Bandeirantes no Rio Grande do Sul, Jorge Seadi Júnior, explicaria:
Foi uma grande inovação, pois eliminamos a divisão na transmissão e o torcedor pode ficar ligado apenas no jogo do seu time.
A direção nacional do grupo, no entanto, acabou optando pela programação mais popular da Band FM, de São Paulo, então presente em outras 27 cidades, que chegou a Porto Alegre em meados de dezembro de 2001. Era o fim da primeira experiência com simulcast em jornalismo no rádio da capital gaúcha.